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Penhora sobre imóvel com descrição precária: o que fazer?

Atualizado: 6 de jun. de 2023

Um gargalo e ponto bastante sensível para os usuários e operadores do direito não recorrentes do direito imobiliário é o apego do sistema de registro de imóveis às formas precisas delineadas pelos princípios registrais. E apesar disso incomodar muito, há um sentido para tal.


Lembremos que não é porque simplesmente alguém é credor que o registro de imóveis perderá sua função preponderante que é dar publicidade e resguardar direitos de terceiros (da sociedade). Isso quer dizer que mesmo havendo uma lide, o propósito do sistema registral é salvaguardar a sociedade de falhas graves.


Mas então, o que fazer no caso em que estamos na posição de credor e a penhora não consegue ser averbada na matrícula por quebra de princípios registrais como o da especialidade objetiva?


A decisão que traremos serve como um norte a ser seguido, mostrando que, embora haja o contratempo do saneamento da irregularidade, no final, além da sociedade estar protegida, a providência irá garantir que a execução se torne justa e perfeita, satisfazendo os interesses individuais do credor sem corromper o sistema de registros públicos.


Bons estudos!



1VRPSP - PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS: 0012117-14.2023.8.26.0100

LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 04/04/2023 DATA DJ: 10/04/2023

UNIDADE: 8

RELATOR: Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

JURISPRUDÊNCIA: Indefinido

LEI: LRP - Lei de Registros Públicos - 6.015/1973 ART: 195

LEI: LRP - Lei de Registros Públicos - 6.015/1973 ART: 237

LEI: LRP - Lei de Registros Públicos - 6.015/1973 ART: 176 PAR: 1 INC: I

LEI: LRP - Lei de Registros Públicos - 6.015/1973 ART: 213 INC: II

Penhora - averbação. Área remanescente - apuração. Desfalque. Desapropriação. Especialidade objetiva. Circunscrição imobiliária - competência territorial.


íntegra

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - COMARCA DE SÃO PAULO - FORO CENTRAL CÍVEL - 1ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS

Processo Digital nº 0012117-14.2023.8.26.0100 Classe - Assunto Pedido de Providências - REGISTROS PÚBLICOS Requerente: Juízo da 3ª Vara Cível do Foro Regional do Jabaquara Requerido: 8º Oficial de Registros de Imóveis da Capital e outro

Vistos.


Trata-se de pedido de providências iniciado a partir de ofício expedido pelo Juízo da 3ª Vara Cível do Foro Regional III – Jabaquara, solicitando informação sobre o Registro de Imóveis competente para cumprir determinação de penhora de imóvel no processo de autos n.0605934-03.2008.8.26.0003 (execução de título extrajudicial movida por Miriam Bruno contra Sydney de Carvalho Alves).

Documentos vieram às fls.03/55.

Os Oficiais envolvidos no caso foram intimados e prestaram informações às fls.62/64 e 65/66.

É o relatório.

Fundamento e decido.


Conforme se extrai dos documentos apresentados, deferiu-se penhora dos direitos que o executado possui sobre o imóvel objeto das transcrições n.14.456 e n.35.328 do 14º Registro de Imóveis (fls.13/15), que hoje pertence à circunscrição do 8º Registro de Imóveis e do qual foi destacada uma parcela com 13,80 m⊃2; por desapropriação, a qual originou a matrícula n.111.717 perante o 8º RI (fls.16/18).

Inicialmente apresentada ao Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, a ordem para averbação da penhora não foi cumprida pois o imóvel passou a pertencer à circunscrição do 8º RI (fl.20).


Na sequência, expediu-se mandado para anotação da penhora na matrícula n.111.717 do 8º RI, que também deixou de cumprir a ordem, esclarecendo que referida matrícula versa sobre área de 13,80 m⊃2; expropriada pelo município de São Paulo, sendo que não consta, naquela serventia, outros registros relativos às transcrições mencionadas (n.14.456 e n.35.328), pelo que entende que a competência seria do 14º RI (fls.26/28).


O mandado foi reexpedido ao 14º RI e novamente devolvido, com orientação para apresentação perante o 8ºRI e observação de não constar na transcrição n.14.456 a transmissão de direitos reais à parte executada, além da necessidade de apuração prévia do remanescente para que nova matrícula possa ser aberta para o lançamento da averbação da penhora (fls.38/42).


Diante das respostas conflitantes, o Juízo que determinou a penhora oficiou para esta Corregedoria Permanente, solicitando informação acerca do cartório competente para o ato.


Como o imóvel pertence atualmente à circunscrição do 8º Registro de Imóveis, é do Oficial daquela serventia a competência para a pretendida averbação de penhora.


Todavia, tal ato somente poderá ser lançado na matrícula que será aberta após apuração do remanescente das antigas transcrições n.14.456 e n.35.328 do 14º RI.


Nos termos do artigo 176, §1º, I, da Lei de Registros Públicos (destaques nossos):

"I - cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro ato de registro ou de averbação caso a transcrição possua todos os requisitos elencados para a abertura de matrícula".

A averbação da penhora será, assim, o primeiro ato a ser lançado no fólio real sob a vigência da Lei de Registros Públicos, o que ensejará abertura da matrícula a partir dos elementos que constam no registro anterior (transcrições n.14.456 e n.35.328 do 14º RI)

Contudo, conforme ressaltou o Oficial do 8º RI, o imóvel sofreu desfalque parcial por desapropriação de uma área de 13,80 m⊃2;, da qual se originou a matrícula n.111.717 daquela serventia.


Conforme dispõem as Normas de Serviço da CGJ, Cap. XX:

"57.4. O procedimento previsto no art. 213, inciso II, da Lei nº 6.015/73 será adotado quando a descrição original do imóvel sofreu alteração em razão de desfalque parcial, sem que tenha ocorrido a apuração do remanescente".

Observe-se, ainda, que as transcrições n.14.456 e n.35.328 do 14º RI se referem a um terreno com área de 800 m⊃2; localizado na esquina entre as ruas Arapuã e Ariranha no qual foram construídos os prédios de n.49 e 53 (fls.13/15).


O pedido de penhora formulado, por sua vez, fez referência a dois imóveis, um na rua Arapuã, n.49/53, e outro contíguo, de esquina, localizado na rua Arapuã n.55/61, cada um com 180 m⊃2; (fls.04/05).


A incongruência entre as descrições do objeto da constrição e do fólio real inviabiliza a averbação por violação ao princípio da especialidade objetiva, sendo imprescindível apuração da área disponível, sob pena de se prejudicarem eventuais adquirentes futuros, caso o bem penhorado venha a ser alienado, o que deve ser prevenido.


Como os Oficiais registradores também verificaram, não consta nas transcrições a existência de direitos reais sob titularidade da parte executada, o que inviabiliza a averbação por violação ao princípio da continuidade.


Nas palavras de Afrânio de Carvalho:

"O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente" (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª edição, página 254).

Especificamente no que toca à escrituração das penhoras nos Registros de Imóveis, o Cap.XX das NSCGJSP assim dispõe:

"107. São considerados, para fins de escrituração, credores e devedores, respectivamente: (...) j) nas penhoras e ações, o autor e o réu".

Em outros termos, também é necessária regularização para que o título judicial esteja em conformidade com o inscrito na matrícula (artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/73; item 47 do Cap. XX das NSCGJ):

"Art. 195 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro".
"Art. 237 - Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro".
"Item. 47 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro, observando-se as exceções legais no que se refere às regularizações fundiárias".

Por fim, vale anotar que, não sendo a parte credora proprietária do imóvel, ainda poderá pleitear a retificação do registro pela via jurisdicional demonstrando interesse legítimo para alcançar a abertura da matrícula e subsequente averbação da penhora.

Estes são os passos necessários para que a parte exequente alcance o ingresso da penhora no fólio real.


Observo, por fim, que, diante das peculiaridades do caso concreto, não há falha funcional a ser apurada nem providência disciplinar a ser tomada.


Neste contexto, JULGO EXTINTO o feito, determinando que cópia desta decisão seja remetida, em resposta, ao Juízo da 3ª Vara Cível do Foro Regional III – Jabaquara, por meio do endereço eletrônico upj1a6cvjabaquara@tjsp.jus.Br, com menção ao processo de n.0605934-03.2008.8.26.0003 (fl.02).


Comunique-se, ainda, à E. CGJ e aos Oficiais do caso. Servirá a presente sentença como ofício.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 04 de abril de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad Juiz de Direito

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