O tema de hoje é corriqueiro e suscetível a confusões do operador do direito. Trataremos de partilha de bens (em divórcio e inventário) em que não há propriedade formal efetiva dos titulares, apenas direito à aquisição sobre imóvel constituído por meio de alienação fiduciária.
Para isso trilharemos o seguinte caminho:
Entender a alienação fiduciária;
Compreender as diferentes formas de partilha;
Analisar casos práticos.
1 - A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA:
O conceito básico de alienação fiduciária está inserido no artigo 22 da Lei 9.514:
Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.
O contrato de alienação fiduciária, embora possa ser utilizado apenas como garantia (por exemplo, garantir o pagamento de um empréstimo), recorrentemente vem acompanhado de outro contrato coligado que funciona da seguinte forma:
João é solteiro e quer comprar um imóvel, mas não possui todos os recursos financeiros para a aquisição à vista.
João vai a um banco e contrata um serviço de mútuo garantido por alienação fiduciária sobre o imóvel a ser adquirido.
No mesmo contrato, o banco empresta o dinheiro para João que adquire o bem de raiz do vendedor e no mesmo ato (dependente e consequente) já garante sua dívida com a garantia instituída na alienação fiduciária.
Em termos registrais a matrícula fica mais ou menos da seguinte forma:
MATRÍCULA 001
IMÓVEL: Apartamento 777
PROPRIETÁRIO: Construtora Pirâmide
R-1 / Mat. 001 - Venda e Compra: Por meio de venda e compra, construtora Pirâmide .... vende a João, solteiro, (qualificação) que adquire 100% do imóvel pelo valor R$XXX, sendo a aquisição garantida por meio de alienação fiduciária constituída no R-2 da presente matrícula....
R-2 / Mat. 001 - Alienação Fiduciária: João, para garantir a aquisição do imóvel constante da matrícula, alienou fiduciariamente o imóvel ao Banco XXX da seguinte forma ....
É importante entender que João não é proprietário do imóvel que acabou de adquirir. Na realidade, João foi proprietário por um átimo e logo que inscrito o R-2 deixou a posição de proprietário para ser a de devedor fiduciante.
O devedor fiduciante o adquirente do bem que alienou ao banco e retornará a ser proprietário quando a dívida for integralmente paga ao credor fiduciário (no nosso exemplo, o banco). O devedor fiduciante é um proprietário em expectativa (pagou 100%, se torna proprietário), enquanto o credor fiduciário, o banco, é proprietário resolúvel (quando o devedor pagar todo o financiamento não poderá se opor à aquisição do seu cliente).
É por isso que quando falamos em venda de imóvel que está alienado fiduciariamente (o repasse), o correto é falar de cessão de posição contratual. Já que, como visto, o adquirente não é proprietário, mas, apenas, devedor e proprietário em expectativa.
Como a relação que suporta a aquisição do adquirente é uma relação contratual de financiamento, trocar o adquirente, ou seja, fazer o famoso "repasse do imóvel", altera as garantias contratuais bancárias e a própria liquidez do banco. Em outras palavras, quando o banco empresta dinheiro para alguém há todo um estudo sobre o perfil financeiro do tomador do empréstimo e suas condições pessoais influenciam muito a concessão do crédito e a taxa de juros.
A própria lei de alienação fiduciária veda o repasse informal sem a anuência do credor fiduciário:
Lei 9514, Art. 29. O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações.
Isso também está previsto nas normativas estaduais:
CNCGJ/TJPB, Art. 994. Para efeito de registro, o título que instrumentaliza a transferência de direito real de aquisição sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia e respectivas obrigações será registrado na matrícula imobiliária, com anuência do credor, cabendo ao Oficial de Registro observar a regularidade do recolhimento do imposto de transmissão respectivo.
CNCGJ/TJSP, Cap. XX, 232. O devedor fiduciante, com anuência expressa do credor fiduciário, poderá transmitir seu direito real de aquisição sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o cessionário adquirente as respectivas obrigações, na condição de novo devedor fiduciante.
CNCGJ/TJSP, Cap. XX, 233. O título de transferência de direitos e obrigações será averbado na matrícula do imóvel, cabendo ao Oficial observar a regularidade do recolhimento do imposto de transmissão.
O item 233 do CNCGJ/TJSP dispõe que deverá ser pago o ITBI ou o ITCMD quando houver cessão de posição contratual do devedor fiduciante, tendo em vista ser um direito real sobre bem imóvel, logo, sujeito ao recolhimento do ITBI quando oneroso ou ITCMD quando a título gratuito.
Sabendo, então, que o adquirente do imóvel não é proprietário, apenas potencial titular. Que a aquisição se fundamenta no contrato de crédito imobiliário. Que o credor deve anuir às mutações subjetivas contratuais. Que nessa relação o que há de principal é o contrato. E que havendo voluntariedade de repasse do imóvel obrigatoriamente se terá a cessão da posição contratual. Agora podemos avançar para o tema das partilhas.
2. AS PARTILHAS DE BENS:
A partilha de bens é a forma como se faz cessar a indivisão patrimonial de uma subjetividade que possui direitos e deveres. Ela pode ocorrer tanto no rompimento conjugal (divórcio ou dissolução de união estável) quanto na extinção da personalidade jurídica (inventário para pessoas físicas e liquidação para as jurídicas).
As causas da efetivação da partilha são voluntárias quando não ocorre o fato natural morte. Isso porque mesmo com uma das partes não objetivando o rompimento conjugal há uma manifestação de vontade unilateral do outro cônjuge.
Já a extinção do vínculo conjugal quando há o fator morte por consequência legal do artigo 1.784 do Código Civil há transferência automática do patrimônio do falecido aos seus herdeiros, devendo o inventário e partilha serem realizados para fins únicos de disponibilidade.
Código Civil, Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
Essa diferença essencial entre as duas formas de rompimento (voluntário e por causas naturais) faz com que o próprio sistema de garantias trate as situações de formas distintas: para o divórcio a ideia é "decidiu se divorciar, arque com as consequências"; para o fato morte, por ser algo imprevisível e indesejado na maioria das vezes, há o que se denomina de seguro prestamista.
O seguro prestamista está previsto como obrigatório na Lei 9.514:
Art. 5º As operações de financiamento imobiliário em geral, no âmbito do SFI, serão livremente pactuadas pelas partes, observadas as seguintes condições essenciais:
IV - contratação, pelos tomadores de financiamento, de seguros contra os riscos de morte e invalidez permanente.
Dessa forma, para o sistema de garantias imobiliárias não há prejuízo com o falecimento do tomador do empréstimo, tendo em vista a obrigação estar garantida por meio de um seguro obrigatório para todos e fundamentado no sólido sistema de securitização.
Daí, se pode perceber a sutileza e perfeição da redação paulista no item 232 quando dispõe que "O devedor fiduciante, com anuência expressa do credor fiduciário, poderá transmitir seu direito real de aquisição". Enquanto a norma paraibana omite e não distingue as situações de transmissão voluntária ou legal.
Isso se traduz na situação em que um dos divorciandos cede o seu quinhão para o outro (da mesma forma como seria num repasse imobiliário). Sendo assim, obrigatória a anuência do credor.
Distinta da situação em que há partilha igualitária no divórcio e não há transmutação subjetiva na posição de devedor. Nesse sentido há enunciado do Colégio Registral de Santa Catarina:
Nos casos de partilha por separação/divórcio/dissolução de união estável de imóvel alienado fiduciariamente, o Registro de Imóveis analisará a anuência do credor fiduciário, seja por contrato de cessão de direitos, seja por autorização de transferência de direitos, a fim de registrar a partilha, tendo como base de cálculo o valor do imóvel partilhado. A averbação de sub-rogação da dívida será realizada nos casos necessários. Não há necessidade de anuência do credor nos casos de partilha igualitária (50% para cada um).
(Consulta 024/2021: https://www.colegiorisc.org.br/restrito/crisc-responde/busca-rapida/consulta-024-2021/ )
VOTAÇÃO: APROVADO NO ENCONTRO DE UNIFORMIZAÇÃO (Joinville – 16/06/2018)
https://www.colegiorisc.org.br/enunciados/
Já sobre situações involuntárias (morte ou invalidez), é possível, então, perceber que o próprio sistema de garantias imobiliárias predispõe e garante o pagamento dos valores referentes ao crédito a ser adimplido.
Com isso, a anuência do credor para a transmissão involuntária perde a razão de ser, haja vista a impossibilidade de prejuízo na titularidade do contrato sobre o imóvel (que no momento do falecimento irá quitar a integralidade dos percentuais relativos à contribuição do falecido no mútuo).
De acordo com Karin Rick Rosa, "Quando o devedor fiduciário falece, é feito o inventário e a partilha dos direitos e obrigações que o falecido tinha sobre o bem imóvel. De acordo com a Dra. Karin, não é necessária a anuência do credor fiduciário para registro da escritura de inventário e partilha. Como se trata de partilha e transmissão por sucessão – causa mortis – artigo 1.784 do CC, não há necessidade de anuência do credor fiduciário"
(https://www.tabelionatofischer.not.br/noticias/area-notarial/grupo-de-estudos-discutiu-partilha-de-imoveis-alienados-fiduciariamente-em-casos-de-separacoes-divorcios-dissolucao-de-uniao-estavel-ou-inventarios) (http://www.colnotrs.org.br/Noticias/VisualizarNoticia/11131)
Dessa forma, podemos concluir que:
DIVÓRCIO IGUALITÁRIO => DESNECESSÁRIA A ANUÊNCIA DO CREDOR FIDUCIÁRIO
DIVÓRCIO DESIGUAL => NECESSÁRIA A ANUÊNCIA DO CREDOR FIDUCIÁRIO
INVENTÁRIO => DISPENSÁVEL A ANUÊNCIA DO CREDOR FIDUCIÁRIO
CESSÃO PARA TERCEIROS => NECESSÁRIA A ANUÊNCIA DO CREDOR FIDUCIÁRIO
Todavia, a escritura pública de divórcio que partilha os bens imóveis alienados fiduciariamente a um casal não está tecnicamente errada, mesmo havendo a transmissão voluntária das obrigações entre as partes e ausência de anuência do credor.
Isso porque a anuência do credor é melhor constituída por meio de instrumento particular com firma reconhecida, tendo em vista a situação desconfortável de arrolar um terceiro numa escritura pública de divórcio e partilha de bens, o que pode e certamente irá constranger o casal.
Contudo, para que seja oposto a terceiros, faça valer em face ao credor e possua registrabilidade, necessariamente, deverá ser colhida a anuência do credor fiduciário no trespasse do contrato de financiamento, ficando condicionado o registro da transmissão à autorização expressa do credor fiduciário.
Por outro lado, é possível até mesmo a cessão de direitos hereditários sobre imóvel que fora alienado fiduciariamente, mas garantido integralmente por seguro prestamista.
Por fim, necessário entender que há exceções legais à partilha e ordem direta da lei, como no caso da regulamentação do PMCMV:
Medida Provisória 1.162/2023, Art. 10: Os contratos e os registros efetivados no âmbito do Programa serão formalizados, preferencialmente, no nome da mulher e, na hipótese de ela ser chefe de família, poderão ser firmados independentemente da outorga do cônjuge, afastada a aplicação do disposto nos art. 1.647, art. 1.648 e art. 1.649 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.
§ 1º O contrato firmado na forma prevista no caput será registrado no cartório de registro de imóveis competente, sem a exigência de dados relativos ao cônjuge ou ao companheiro e ao regime de bens.
§ 2º Na hipótese de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o título de propriedade do imóvel adquirido, construído ou regularizado no âmbito do Programa na constância do casamento ou da união estável será registrado em nome da mulher ou a ela transferido, independentemente do regime de bens aplicável.
§ 3º Na hipótese de haver filhos do casal e a guarda ser atribuída exclusivamente ao homem, o título da propriedade do imóvel construído ou adquirido será registrado em seu nome ou a ele transferido, revertida a titularidade em favor da mulher caso a guarda dos filhos seja a ela posteriormente atribuída.
§ 4º O disposto neste artigo não se aplica aos contratos de financiamento firmados com recursos do FGTS.
3 - CASOS PRÁTICOS:
A seguir colacionados alguns casos práticos sobre alienação fiduciária e partilha de bens:
3.1 - DÚVIDA - ESCRITURA PÚBLICA:
Dúvida Requerente: 10º Oficial de Registro de Imóveis – Sentença de fls. 46/48: VISTOS. Cuida-se de dúvida suscitada pelo 10º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a pedido de A. J. V. V., por ter sido recusado o registro da escritura pública de divórcio consensual de A.J. e A. M. F. V. V., tendo por objeto a partilha do imóvel matriculado sob o nº xx, daquela Serventia.
A recusa tem por fundamento o Art. 29, da Lei nº 9.514/97, haja vista que o título não traz a expressa anuência da credora fiduciária Caixa Econômica Federal. Embora intimado (fl. 05), o interessado não impugnou a dúvida (fl. 43). O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 44). É o relatório. DECIDO.
Os interessados possuem como bem comum os direitos de fiduciante do imóvel objeto da matrícula nº xx, do 10º Registro de Imóveis, o qual, por força da escritura de divórcio consensual com partilha de bens, caberá em sua totalidade, à interessada A. M. F. V. V.
O referido imóvel partilhado fora alienado fiduciariamente à Caixa Econômica Federal. Ao lavrarem a escritura pública de divórcio consensual, os interessados optaram por conferir exclusivamente à interessada A. M. os direitos de fiduciante ocasionando, como bem ponderou o Oficial, a necessidade da reti-ratificação da escritura, para que dela conste que estão sendo partilhados os direitos de fiduciante que os divorciandos detém sobre o imóvel, bem como deverá constar a anuência da credora fiduciária Caixa Econômica Federal, como determina o Artigo 29 da Lei 9.514/97:
“O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações.” (grifou-se).
Assim, sem a anuência da CEF, o interessado A. J. não poderia transmitir seus direitos a A. M. Correta, por conseguinte, a recusa do Oficial lastreada na legalidade. Nessa senda, o r parecer do Ministério Público (fls. 44).
Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 10º Oficial de Registro de Imóveis, a requerimento de A. J. V. V.
Oportunamente, cumpra-se o disposto no Art. 203, I, da Lei nº 6.015/73. Nada sendo requerido no prazo legal, ao arquivo.
P.R.I. São Paulo, 21 de junho de 2012. Marcelo Martins Berthe – Juiz de Direito
3.2 - CONSULTA IRIB:
Divórcio – partilha de bens. Alienação fiduciária. Cessão de direitos aquisitivos. Credor fiduciário – anuência
Questão esclarece dúvida acerca da cessão de direitos aquisitivos de imóvel gravado com alienação fiduciária
Nesta edição do Boletim Eletrônico esclarecemos dúvida acerca da cessão de direitos aquisitivos de imóvel gravado com alienação fiduciária. Veja nosso posicionamento sobre o assunto:
Pergunta: “A” e “B”, casados pelo regime da comunhão universal de bens, celebraram financiamento habitacional com a Caixa Econômica Federal (CEF), gravando o imóvel com alienação fiduciária. Tempos depois o casal se divorciou e apresentou Carta de Sentença, onde “A” cedeu para sua ex-esposa “B”, 50% deste imóvel, sem a anuência da CEF. Posto isto, pergunto: é possível o registro desta Carta de Sentença? É necessária a prévia averbação do divórcio do casal?
Resposta: Em virtude da alienação fiduciária, o imóvel não pertence ao casal, ficando este em propriedade do banco, em caráter resolúvel (art. 22 da Lei nº 9.514/97). Sendo assim, o que são partilhados são os direitos aquisitivos decorrentes da alienação fiduciária, ao que parece no caso, ficando exclusivamente em nome da ex-esposa.
Portanto, a carta de sentença poderá ingressar no sistema registral, desde que haja a anuência da credora fiduciária – CEF e o recolhimento do imposto devido pela referida cessão, cuja exigência (imposto) vai ainda depender dos termos da legislação do Município de situação do imóvel, ou de seu Estado, e da forma como tal cessão está sendo feita, ou seja, se a título oneroso ou gratuito, para se conhecer, aí, quem vai se apresentar como credor desse tributo.
Ademais, a cessão em trato será dos direitos aquisitivos da propriedade resolúvel, e uma vez ocorrendo à devida quitação pela devedora fiduciante “B”, a consolidação da propriedade se dará em nome desta com o consequente cancelamento do registro da propriedade fiduciária.
De importância também algumas considerações quanto ao ato a ser praticado pelo Oficial para ingresso dessa cessão no Registro de Imóveis. A questão pode, em princípio, estar sendo dirigida para dois atos, sendo o primeiro de registro, que estará a se reportar apenas a mutação patrimonial localizada no próprio bem (direito real), e o segundo, de averbação, quando vir a cuidar somente de alteração da responsabilidade da dívida, em proporções diferentes da contratada anteriormente (direito obrigacional). Temos, também, entendimentos de que qualquer tipo de cessão ou transferência desses direitos, quer de natureza real ou pessoal, ingressam, sempre, no Registro de Imóveis, como ato de averbação.
Na linha de defesa dessa última posição, que, a nosso ver, está admitindo ato de averbação para ambas as situações, ou seja, quer quanto a transferência de direitos obrigacionais e/ou de direitos reais; temos posição da egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, lançada no Prov. 37, de 28 de novembro de 2013, que cuida somente do Cap. XX, das Normas de Serviço dirigidas aos Registradores de Imóveis do Estado de São Paulo, o qual está, a partir do item 238, do Cap. XX, mostrando-nos que todo ato de transferência de direitos e obrigações decorrentes de contratos formalizados dentro da referida Lei 9.514/97, tem seu ingresso nos assentos do Registro de Imóveis, através de averbação, independentemente de estarem a se ater a direito real ou obrigacional. Para melhor e mais célere análise do aqui exposto, fazemos seguir abaixo textos do que temos a partir do citado item 238, e que têm relação com o aqui em trato, a saber:
238. O devedor fiduciante, com anuência expressa do credor fiduciário poderá transmitir seu direito real de aquisição sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o cessionário adquirente as respectivas obrigações, na condição de novo devedor fiduciante.
239. O título que instrumenta a transferência de direitos e obrigações deverá ingressar para ato de averbação na matrícula do imóvel, cabendo ao Oficial observar a regularidade do recolhimento do imposto de transmissão.
240. A cessão do crédito objeto da alienação fiduciária implicará a transferência ao cessionário de todos os direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia e independe de anuência do devedor fiduciante.
240.1. Havendo cessão da posição do credor fiduciário, indispensável prévia averbação dessa circunstância na matrícula do imóvel, para fins de substituição do credor e proprietário fiduciário originário da relação contratual pelo cessionário, o qual fica integralmente subrogado nos direitos e obrigações do contrato de alienação fiduciária.
240.2. Nos casos de transferência de financiamento para outra instituição financeira, com a sub-rogação de dívida, da respectiva garantia fiduciária ou hipotecária e da alteração das condições contratuais, em nome do credor que venha a assumir tal condição, a averbação será realizada em ato único, mediante apresentação conjunta do instrumento firmado pelo mutuário com o novo credor e documento de quitação do anterior, dispensada a assinatura do mutuário neste último.
241. Dispensável a averbação da cessão de que trata o subitem anterior no caso de crédito negociado no mercado secundário de créditos imobiliários, representado por Cédula de Crédito Imobiliário sob a forma escritural, hipótese em que o credor será o indicado pela entidade custodiante mencionada na cédula.
Além disso, entendemos ser necessária a prévia averbação do divórcio do casal, mediante apresentação de Certidão de Casamento atualizada.
Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.
Seleção: Consultoria do IRIB.
Fonte: Base de dados do IRIB Responde.
Comentários: Equipe de revisores técnicos.
3.3 - PARTILHA POR SENTENÇA JUDICIAL:
1ª VRP|SP: Registro – Divórcio judicial com Partilha de Bens – Partilha do bem comum com exclusividade a um dos cônjuges – Imóvel alienado fiduciariamente – Partilhável apenas os direitos de fiduciante – Necessidade de anuência do ente fiduciário – Dúvida procedente.
Processo Digital nº 1036558-52.2017.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitada: I. K. J. A.
Trata-se de duvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de I. K. J. A., tendo em vista a negativa de registro da carta de sentença extraída dos autos de divórcio e partilha dos bens da suscitada e de César Rodrigues Lopes (processo nº 000.04.090807-0), que tramitou perante o MMº Juízo da 10ª Vara da Família e Sucessões da Capital, referente ao imóvel matriculado sob nº 165.601.
Os óbices registrários referem-se: a) aditamento da partilha a fim de constar os direitos aquisitivos do imóvel entre a suscitada e seu ex-cônjuge e não o seu domínio, uma vez que o imóvel foi alienado fiduciarimente à Brascan Imobiliária Incorporações S/A; b) necessidade de formalizar a anuência da credora fiduciária, nos termos do artigo 29 da Lei 9.514/97; c) ausência do esboço completo da partilha de bens, o que impede a qualificação do título, principalmente no que concerne ao recolhimento dos impostos; d) tendo em vista a informação de que o ex-cônjuge pagou a suscitada quantia para equalizar a divisão, há indícios da incidência do imposto ITBI, sendo necessária a comprovação do recolhimento ou a declaração expressa de sua isenção.
A suscitada apresentou impugnação às fls.85/89. Alega ser dispensável a anuência da credora fiduciária, uma vez que o bem foi partilhado entre o casal, que já era devedor fiduciante, bem como se trata de título judicial constituído por sentença homologatória, no qual restou explícito que a divisão foi igualitária. Apresentou documentos às fls.90/97.
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.106/110).
É o relatório.
Passo a fundamentar e a decidir.
Com razão o Oficial Registrador e o Ministério Público.
Preliminarmente, cumpre destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação (positiva ou negativa), para ingresso no fólio real. O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).
Deve-se salientar que, no ordenamento jurídico pátrio, incumbe ao registrador, no exercício do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, examinar o aspecto formal, extrínseco, e observar os princípios que regem e norteiam os registros públicos, dentre eles, o da legalidade, que consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei, a análise do título deve obedecer as regras técnicas e objetivas, o desempenho dessa função atribuída ao Registrador, deve ser exercida com independência, exigindo largo conhecimento jurídico.
Ao contrário do que faz crer a suscitada, ela e seu ex-marido não são proprietários do imóvel, que foi dado em garantia fiduciária à Brascan Imobiliária Incorporações S/A. Daí que a partilha deve referir-se aos direitos aquisitivos do imóvel e não ao seu domínio, vez que as partes detém a posse direta sobre o bem e a titularidade é da instituição financeira. Como é sabido, ao se constituir a alienação fiduciária, tanto por instrumento público ou particular, a propriedade do imóvel é transferida para o credor, ficando o devedor na posse direta do imóvel durante o período em que vigorar o financiamento. Neste contexto, também é necessária a anuência da credora fiduciária. Nos termos do artigo 29 da Lei 9.514/97:
“Art. 29: O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações” (g.n).
Logo, é imprescindível a concordância da instituição financeira, que sofrerá os impactos da alteração do contrato de alienação fiduciária, ainda que a transferência relativa aos direitos aquisitivos ocorra entre os devedores.
Por fim, como é sabido, ao oficial de Registro cumpre fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe foram apresentados em razão do ofício, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/73, sob pena de responsabilização pessoal do Oficial Delegado, e dentre estes impostos se encontra o ITCMD e o ITBI, cuja prova de recolhimento deve instruir o formal de partilha, salvo hipótese de isenção devidamente demonstrada. Assim, faz-se necessário a demonstração dos valores atribuídos aos imóveis partilhados, a fim de verificar se houve excesso de meação decorrente da partilha, no qual incidiria o fato gerador dos impostos ITBI ou ITCMD, dependendo ou não da gratuidade da transação.
Ao que se depreende da sentença homologatória (fls.17/19), no item 6, “o cônjuge varão a fim de equalizar a partilha pagará à suscitada a quantia de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais)”. Como bem exposto pela Douta Promotora de Justiça: “tal dúvida, obviamente só será sanada com a apresentação do valor de todos os imóveis partilhados e com a comprovação do recolhimento do tributo devido ou de sua expressa isenção”.
Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de I. K. J. A., e mantenho os óbices registrários.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
Tania Mara Ahualli
Juíza de Direito
3.4 - CONSULTA GRUPO GILBERTO VALENTE:
Trata-se de uma carta de sentença sobre divórcio consensual e partilha dos bens, entretanto o imóvel a ser partilhado está registrado com alienação fiduciária.
Não apenas isto, possível observar na petição inicial, que na descrição do imóvel consta apenas como “compromissado em venda ao casal”, bem como a inicial está datada de 22 de outubro de 2012 e o registro da alienação 16 de agosto de 2013.
Neste sentido surgiram as seguintes dúvidas:
a) É possível partilhar o bem sendo que consta o registro de alienação fiduciária?
b) Sendo possível, qual seria o ato principal a ser lançado na matrícula a ser aberta?
Resposta:
Parece que havia uma proposta de compra e venda anterior, mas posteriormente foi realizada a venda e compra com alienação fiduciária (R.01 e R.02);
Já a AV.03 refere-se a cessão de créditos da CEF para a empresa que é a atual credora fiduciária;
Nos termos do artigo de nº 176, § 1º, III, 5 deverá ser atribuído valores para os bens partilhados;
Com relação ao bem imóvel objeto da matrícula de nº 63.601 que ficou somente para o divorciando deverá a carta ser aditada para que se partilhe os direitos e obrigações da alienação fiduciária bem como ser apresentada a guia de recolhimento do ITBI devido e a anuência da credora fiduciária nos teremos do artigo 29 da Lei 9.514/97.
É o que entendemos passível de censura.
São Paulo, 17 de Setembro de 2.020.
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