Inventário Extrajudicial: Tributação na Transmissão de Bens do Espólio e Simetria com Arrolamento Fiscal
A questão da tributação na transmissão de bens do espólio é um ponto sensível no processo de inventário, pois nem sempre o falecido estava quite com suas obrigações fiscais.
No arrolamento sumário, um procedimento judicial simplificado para casos de menor complexidade, o fisco é notificado após a partilha para o lançamento do imposto de transmissão. Este procedimento é delineado no artigo 662 do CPC/2015, que estabelece:
"Art. 662. O juiz homologará por sentença o plano de partilha e adjudicará aos herdeiros seus quinhões. § 1º O fisco será intimado para, querendo, se manifestar, no prazo de 15 (quinze) dias. § 2º Não ficando as autoridades fazendárias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros."
Essa abordagem contrasta com o inventário extrajudicial, onde a questão tributária tem sido um ponto de debate e evolução. No inventário extrajudicial, a eficiência e a desburocratização são priorizadas, mas a exigência da plena integridade fiscal do falecido ainda é um problema em grande parte das unidades federativas do país.
Recentemente, uma decisão judicial trouxe uma nova perspectiva sobre a questão tributária no inventário extrajudicial. Esta decisão do TJSP argumenta que a existência de tributos municipais não deve paralisar ou impedir o processo de inventário extrajudicial, alinhando-o ao procedimento do arrolamento sumário.
E isso tudo já em conformidade com a dispensa da CND do INSS para o mesmo procedimento.
Esta interpretação abre caminho para uma maior agilidade e simplicidade no processo de partilha de bens, mesmo na presença de obrigações tributárias inadimplidas pelo falecido e representa um avanço na simplificação dos procedimentos extrajudiciais de inventário e partilha.
Vamos à decisão, bons estudos!
(84-2021-E) NORMAS DE SERVIÇO DOS CARTÓRIOS EXTRAJUDICIAIS – Tabelionato de Notas – Dúvida sobre a vigência do item 116.2 do Capítulo XVI das NSCGJ, depois da revogação da alínea i do item 118 – Parecer pela supressão do item 116.2, uma vez que, para a lavratura de escritura pública de inventário e partilha causa mortis, não são óbices os “débitos tributários municipais e da Receita Federal” mencionados na regra em análise – Proposta de
expedição de provimento. (ODS 16)
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
1. Editado, por esta Corregedoria Geral, o Provimento CG n. 08/2021, de 05 de fevereiro de 2021, que mandou suprimir a alínea i do item 118 do Capítulo XVI do Tomo II das Normas de Serviço (fl.
55/56), vieram a estes autos as seguintes representações:
(a) a primeira (fl. 74/78), formulada pelo Ilustríssimo Senhor Fernando Blasco, 30o Tabelião de Notas da Comarca de São Paulo, em que afirma que não existe proibição legal que impeça a lavratura de escritura pública de inventário e partilha por conta da existência de tributos federais ou municipais. Menciona, em particular, que a jurisprudência
contenciosa tem declarado a inconstitucionalidade do art. 47 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, e que, na esfera municipal, o imposto predial é propter rem, e a maior parte dos falecidos não é contribuinte de imposto sobre serviços. Acrescenta que causa estranheza o fato de que os tributos estaduais não impeçam a lavratura, como se o intento fosse facilitar a arrecadação do imposto causa mortis. Sugere, assim, que seja afastado o item 116.2 do Capítulo XIV, o que se traduziria pela expressa indicação, no ato notarial, dos débitos tributários conhecidos pelas partes, que assumiriam a sua responsabilidade civil e tributária, sem prejuízo da atuação dos órgãos competentes, segundo o § 2o do art. 659 do Cód. de Proc. Civil de 2015; e
(b) a segunda (fl. 83-84), apresentada pela Ilustríssima Senhora Juliana Alves Miras Barros, Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito do Braço, na Comarca de Eldorado, sugerindo alteração do dito item 116.2, suprimindo o impeditivo concernente aos débitos da Receita Federal.
O Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo manifestou-se (fl. 96/100), salientando que, nos termos do art. 659 do Cód. de Proc. Civil vigente, a lei não condiciona a partilha amigável à inexistência de débitos tributários; assim, impor essa comprovação não é requisito legal e constitui sanção política, o que permite afastar-se o item 116.2. Aduz que a supressão da alínea i do item 118, sem alteração do item 116.2, pode tornar inútil a modificação, pois este último dispositivo pode continuar a levar os tabeliães a exigir as certidões federais. Nesses termos, conclui o Colégio Notarial pela revogação expressa do item 116.2, como medida harmônica com o Provimento CG n. 08/2021.
das NSCGJ reza:
É o relatório.
Passo a opinar.
2. O item 116.2 da vigente redação do Capítulo XVI
“Os débitos tributários municipais e da receita federal (certidões positivas fiscais municipais ou federais) impedem a lavratura da escritura pública.”
De fato, suprimida a exigência de apresentação de certidão negativa conjunta passada pela Receita Federal do Brasil – RFB e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN, é inconveniente continuar a prescrever que “os débitos tributários... da receita federal... impedem a lavratura da escritura pública”, porque, afinal, o único modo de saber se essas dívidas existem ou não é, justamente, tornar a exigir aquelas certidões que se dispensaram com a revogação da alínea i do item 118. Desse modo, deve-se realmente modificar o item 116.2, para suprimir, nele, a referência às exigências fiscais federais, em alinhamento com o que já se tinha decidido para a edição do Provimento CG n. 08/2021.
Resta saber se também se convenha alterar o item 116.2, no que diz respeito à referência aos débitos tributários municipais. A resposta tem de ser afirmativa, pois a proibição de lavrar-se escritura pública de inventário e partilha causa mortis, se houver débitos tributários municipais, não decorre diretamente de lei e, logo, não pode ser imposta por regras administrativas, como são aquelas postas nas Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais.
O inventário e a partilha a causa de morte, na via extrajudicial (Cód. de Proc. Civil, art. 610, §§ 1o-2o; antes, Lei n. 11.441, de 04 de janeiro de 2007, art. 1o, e Cód. de Proc. Civil de 1973, art. 982), guarda paralelismo com o arrolamento sumário, que também é partilha amigável, mas feita em juízo (Cód. de Proc. Civil, art. 659, caput).
Ora, se no arrolamento sumário não há espaço para a discussão de “tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio” (art. 662, caput) – com efeito, o fisco é intimado a posteriori “para lançamento administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos porventura incidentes, conforme dispuser a legislação tributária” (art. 659, § 2o, in fine), “não ficando as autoridades fazendárias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros” (art. 662, § 2o, in fine) –, então o mesmo se deve entender no caso do assim chamado inventário extrajudicial, que, portanto, não pode ser paralisado pela existência de “tributos municipais”, como referido no vigente item 116.2.
Note-se, nesse sentido, que, em sua origem (isto é, na dicção do item 115.1 do antigo Capítulo XIV das NSCGJ, como ditada pelo art. 1o do Provimento n. 40, de 14 de dezembro de 2012), o item que hoje se numera como 116.2 do Capítulo XVI afirmava que “os débitos tributários não impedem a lavratura da escritura pública”, o que, de resto, é consentâneo com os arts. 15, 22, g, e 31 da Resolução n. 35, de 24 de abril de 2007, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, regras essas que não impõem a vinda de certidões negativas municipais para o inventário e a partilha causa mortis na via extrajudicial, e que estão reproduzidas, aliás, nos atuais itens 110, 118, g, e 129 do dito Capítulo XVI.
Tudo considerado, convém suprimir-se por inteiro o item 116.2: de um lado, porque a edição do Provimento CG n. 08/2021 fez supérflua a referência a tributos “da Receita Federal” como óbice para a lavratura; de outro, porque “débitos tributários municipais” não são óbices legais ao inventário e à partilha extrajudiciais, como se tira do Cód. de Proc. Civil e da Res. CNJ n. 35/2007.
Propõe-se para esse fim a expedição de Provimento próprio, com a redação que vai anexa.
3. Este é o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, instruído com a anexa proposta de Provimento.
Sub censura.
São Paulo, 19 de março de 2021.
Josué Modesto Passos
Juiz Assessor da Corregedoria
(grifos nossos).
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