O caso a seguir colacionado trata de arrematação de imóvel que também havia sido penhorado por outros juízos e ainda havia sido gravado com indisponibilidade em relação ao titular tabular.
As restrições tabulares eram: "Da análise da matrícula no 113.670 do 14o CRI, reproduzida às fls. 18/28, verifica-se o registro de hipoteca (R.3), averbações de penhoras provenientes de ações trabalhistas (Av.4, Av.5, Av.6, Av.7, Av.9, Av.11, Av.13, Av.16 e Av.18), além da indisponibilidade dos bens da antiga proprietária tabular (Av.10, Av.12, Av.14, Av.15, Av.17, Av.19, Av.20, Av.21 e Av.22)".
Após a arrematação, o novo adquirente solicitou ao registrador que fossem averbados os cancelamentos das demais penhoras que recaiam sobre o bem de raiz. O acesso ao fólio real fora negado, tendo em vista que não cabe à sede administrativa afrontar ordens judiciais.
Porém, após a arrematação há o cancelamento indireto das demais penhoras e indisponibilidades, tendo em vista a nova aquisição. O cancelamento indireto é tema bastante sofisticado e poucos o dominam adequadamente. Nessa toada, há, inclusive, possibilidade de alienação voluntária posterior pelo novo adquirente, mesmo com os gravames ainda inscritos na matrícula, mas já sem eficácia (consequência do cancelamento indireto).
Segue abaixo a decisão. Bons estudos!
Arrematação - modo derivado de aquisição. Penhora - indisponibilidade - cancelamento.
1VRPSP - Recurso Administrativo: 1114299-32.2021.8.26.0100 Localidade: São Paulo Data de Julgamento: 10/12/2021 Data DJ: 14/12/2021 Unidade: 14 Relator: Renata Pinto Lima Zanetta Jurisprudência: Indefinido Lei: LRP - Lei de Registros Públicos - 6.015/1973 ART: 251 Lei: CC2002 - Código Civil de 2002 - 10.406/2002 ART: 1.485 Especialidades: Registro de Imóveis Arrematação - modo derivado de aquisição. Penhora - indisponibilidade - cancelamento. íntegra TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - COMARCA DE SÃO PAULO - FORO CENTRAL CÍVEL - 1a VARA DE REGISTROS PÚBLICOS Processo Digital no: 1114299-32.2021.8.26.0100 Classe - Assunto Pedido de Providências - Registro de Imóveis Requerente: Wky Investimento e Participações Ltda Requerido: 14o Oficial de Registro de Imóveis da Capital Vistos.
Trata-se de pedido de providências formulado por WKY Investimentos e Participações LTDA em face do Oficial do 14o Registro de Imóveis da Capital, objetivando o cancelamento das penhoras e indisponibilidades averbadas na matrícula no 113.670 daquela Serventia.
A requerente alega que diante do registro da arrematação do imóvel, conforme R.23 naquela matrícula, as penhoras e indisponibilidades anteriores à hasta pública deveriam perder a sua eficácia, uma vez que ocorreria o cancelamento indireto de forma automática, em virtude da arrematação do bem.
Com a inicial, vieram documentos (fls. 03/60).
O Oficial manifestou-se às fls. 68/72, sustentando que os cancelamentos solicitados somente poderão ser averbados mediante apresentação de ofício ou mandado expedido pelos respectivos Juízos, autorizando a Serventia a averbar os respectivos cancelamentos, tendo em vista que as restrições são provenientes de outros processos, afetos a Juízos distintos da arrematação registrada.
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela improcedência do pedido (fls. 76/78). É o relatório.
Fundamento e decido. No mérito, o pedido não procede. Vejamos os motivos.
Da análise da matrícula no 113.670 do 14o CRI, reproduzida às fls. 18/28, verifica-se o registro de hipoteca (R.3), averbações de penhoras provenientes de ações trabalhistas (Av.4, Av.5, Av.6, Av.7, Av.9, Av.11, Av.13, Av.16 e Av.18), além da indisponibilidade dos bens da antiga proprietária tabular (Av.10, Av.12, Av.14, Av.15, Av.17, Av.19, Av.20, Av.21 e Av.22).
Posteriormente, conforme R.23, de 19 de agosto de 2018, houve o registro da carta de arrematação do imóvel, expedida nos autos do Processo no 1075466-86.2014.8.26.0100, que tramitou perante a 24a Vara Cível do Foro Central da Capital, em favor da empresa requerente.
Ocorre que, com a intenção de vender o imóvel (fls.29/46), a requerente busca, pela via administrativa e sem exibir qualquer decisão judicial para levantamento dos gravames, o cancelamento direto das penhoras e da indisponibilidade.
Nada obstante, o cancelamento expresso não pode se dar de forma automática, sendo mister a apresentação de mandados judiciais específicos expedidos pelos Juízos que determinaram cada restrição. Não cabe, neste âmbito administrativo, qualquer juízo de valor acerca das medidas restritivas, as quais devem ser debatidas nos autos em que determinadas.
A Egrégia Corregedoria Geral da Justiça já se posicionou acerca da impossibilidade de cancelamento de penhora realizada por determinação judicial via decisão administrativa desta Corregedoria Permanente (com nossos destaques):
"REGISTRO IMOBILIÁRIO. CANCELAMENTO DE PENHORA - Mesmo diante do registro de carta de adjudicação e sua repercussão no registro imobiliário (cancelamento indireto) não cabe expedição de ordem para o cancelamento de inscrições de penhora provenientes de outros processos judiciais, competindo requerimento ao juízo que a determinou - Preliminar rejeitada e Recurso não provido" (CGJ, Proc. n° 1093002-08.2017.8.26.0100 ? Parecer 101/2018-E, j. 13.03.2018).
"REGISTRO DE MÓVEIS - Arrematação - Modo derivado de aquisição da propriedade imobiliária - Questão, todavia, irrelevante - Cancelamento direto de penhoras estranhas ao processo onde ocorreu a alienação judicial - Necessidade de ordem judicial emanada da autoridade competente, ou seja, daquela que determinou as inscrições - Registro da carta de arrematação, portanto, é insuficiente para tanto - Confirmação do juízo de desqualificação registral - Recurso desprovido" (CGJ, Processo n. 0004589-40.2014.8.26.0456, j. 03.08.2016).
"REGISTRO DE IMÓVEIS - Carta de arrematação - Cancelamento direto de penhora estranha à do processo onde ocorrida a alienação judicial - Impossibilidade - Precedentes do Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça - Dúvida improcedente - Recurso provido" (CGJ, Processo n. 0011823-84.2015.8.26.0344, j. 28.07.2016).
'Registro de Imóveis - Pretensão de cancelamento de hipotecas e fls. 161 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA Recurso Administrativo n° 1093002-08.2017.8.26.0100 penhoras à vista de arrematação ocorrida em juízo cível - Cancelamento de penhoras que depende de ordem do juízo que as determinou - Ausência de comprovação da notificação do credor hipotecário - Impossibilidade do cancelamento - Inteligência do art. 1.501 do Código Civil - Recurso desprovido" (CGJ, Processo n. 1017712-21.2016.8.26.0100, j . 16.07.2016).
Não compete a este juízo administrativo, portanto, analisar ou modificar as decisões proferidas em sedejudicial.
Ademais, a arrematação em leilão judicial é modo derivado de aquisição de propriedade, caracterizada por uma alienação forçada proveniente de ordem judicial em processo de execução ou de cumprimento de sentença, que independe da relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário (executado) e o adquirente (arrematante ou adjudicante), nos moldes do atual entendimento do Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível no 9000002-19.2013.8.26.0531).
Nesse sentido, ainda, a jurisprudência do STJ (AgRg no AREsp 805.687/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, j. 10.03.16).
Logo, em não se tratando de aquisição originária, a atual proprietária deve buscar o cancelamento da constrição perante o Juízo que a determinou em consonância com a jurisprudência supramencionada.
No que tange à hipoteca, o cancelamento só pode ser feito nas hipóteses do artigo 251, da LRP e, embora se admita a averbação de ofício de eventual perempção, o prazo legal que deve ser observado é de trinta anos, conforme estabelecido pelo artigo 1.485 do CC/2002. Outrossim, observe-se que a impossibilidade de cancelamento direto das penhoras e ordens de indisponibilidade não impede a conclusão pelo seu cancelamento indireto, o qual prescinde de averbação na matrícula e torna possível o registro da alienação do bem, tal como ocorreu com a arrematação em favor da empresa requerente. Nesse sentido:
REGISTRO DE IMÓVEIS ? Averbação de indisponibilidade que não impede a alienação forçada ? Ocorrida a alienação, há cancelamento indireto das penhoras, que geraram a indisponibilidade ? O cancelamento direto não é condição necessária à posterior alienação voluntária ? Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada ? Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 0019371-42.2013.8.26.0309; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 14/03/2017; DJE: 26/07/2017)
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências formulado por WKY Investimentos e Participações LTDA.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C.
São Paulo, 10 de dezembro de 2021. Renata Pinto Lima Zanetta Juíza de direito
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