O tema de hoje se refere à possibilidade de que seja realizado inventário extrajudicial em que haja débitos fiscais em nome do autor da herança (espólio).
Esses débitos fiscais que a priori impedem a lavratura de escritura pública de inventário e partilha são os referentes às certidões positivas exaradas pela União, estados e municípios que normativamente são (ou eram, como se verá no presente artigo) exigidas pelos códigos de normas extrajudiciais, como ainda ocorre com a regulamentação paraibana.
No NOVO 7T a exigência notarial ainda se conserva porque o nosso atual Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça da Paraíba exige que instrumentalizem a escritura pública de inventário e partilha as certidões negativas ou positivas com efeitos de negativas exaradas pelos entes federativos. E é o que se pode ler diretamente da norma em questão:
CNCGJ/TJPB, Art. 326. Na lavratura da escritura de inventário e partilha, deverão ser apresentados e arquivados, além dos documentos relacionados no art. 290 deste Código, também os seguintes documentos:
VII – certidões negativas de débito, ou positivas com efeito de negativas, expedidas pelas fazendas públicas federal, estadual e municipal, em favor do autor da herança; e
Essa determinação que ainda persiste em nossa normativa, também se apresentou em tempos passados em todas as unidades da federação, haja vista a cautela inicial operada pelas corregedorias estaduais a respeito de potenciais elisões fiscais e resguardo à coisa pública. Todavia, em algumas unidades da federação já se verificou que há um descompasso de tais disposições tanto em relação à jurisprudência quanto à própria legislação vigentes.
Isso tudo fundamentado, basicamente, em alguns pilares que serão analisados no presente artigo:
a) A simetria do inventário extrajudicial com o arrolamento do art. 659 do CPC;
b) Disposições na Resolução 35/2007 do CNJ;
c) A proibição de haver sanção política no não pagamento de impostos, conforme precedentes do STF.
Ao final da exposição também colacionaremos a decisão e o parecer que fundamentaram a alteração da normativa paulista que trata de todo esse tema dentro da visão daquela Corregedoria Geral de Justiça.
A. A simetria do inventário extrajudicial com o arrolamento do art. 659 do CPC:
O inventário extrajudicial, apesar de ter sido estatuído na Lei 11.441/2007, ainda é uma alternativa que pode ser considerada recente em nossa legislação.
É por isso que o microssistema de direito das sucessões (que envolve civil, processual, tributário, notarial e registral, para citar alguns ramos) apesar de ter sido adaptado e desenvolvido ao longo do tempo, ainda exige interpretações sistemáticas, haja vista a escassez de normas e legislação especificamente sobre o inventário extrajudicial nas suas minúcias.
Isso pode ser percebido, inclusive, na maioria das legislações tributárias que não preveem de forma fluida o procedimento de inventário extrajudicial, assim como se omitem a conferir os mesmos direitos ao contribuinte que realiza o inventário judicial (como, por exemplo, o parcelamento das dívidas de ITCMD).
Para suprir esse vácuo legislativo, a doutrina e jurisprudência têm considerado o inventário extrajudicial como um procedimento similar ao arrolamento previsto no artigo 659 do Código de Processo Civil. Dessa forma, se permite, sistematicamente, buscar e encontrar soluções operativas eficientes.
Um ponto de identificação da simetria entre inventário extrajudicial e o arrolamento fiscal seria a busca por soluções que envolvem as questões envolvendo débitos (fiscais ou não fiscais) em nome do autor da herança. Nesse caso, os bens do espólio devem ser resguardados para efetuar o pagamento da dívida. Assim os herdeiros devem prever os pagamentos na própria escritura. É o que se vê no CPC:
Código de Processo Civil, Art. 663. A existência de credores do espólio não impedirá a homologação da partilha ou da adjudicação, se forem reservados bens suficientes para o pagamento da dívida.
Parágrafo único. A reserva de bens será realizada pelo valor estimado pelas partes, salvo se o credor, regularmente notificado, impugnar a estimativa, caso em que se promoverá a avaliação dos bens a serem reservados.
Além da salvaguarda de bens para quitação de dívidas do espólio, também é possível que a massa de herdeiros não reconheça o débito tributário e esse seja alvo de questionamento posterior nas instâncias adequadas. Até mesmo porque se não fosse possível a oposição ao débito, os herdeiros estariam obrigados a arcar com todas as dívidas em nome do espólio, mesmo sendo elas ilegais ou injustas.
B. Disposições na Resolução 35/2007 do CNJ:
Embora haja na normativa estadual paraibana a disposição expressa sobre a necessidade de tais certidões (como se viu linhas acima), a Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça, norma administrativa de âmbito federal, não elenca expressamente a obrigatoriedade de tais certidões, como ocorre em solo paraibano.
É a Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça a norma administrativa que uniformizou e parametrizou aspectos básicos do procedimento em âmbito nacional. É o que se observa na Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça (grifos nossos):
Art. 15. O recolhimento dos tributos incidentes deve anteceder a lavratura da escritura.
Art. 22. Na lavratura da escritura deverão ser apresentados os seguintes documentos: a) certidão de óbito do autor da herança; b) documento de identidade oficial e CPF das partes e do autor da herança; c) certidão comprobatória do vínculo de parentesco dos herdeiros; d) certidão de casamento do cônjuge sobrevivente e dos herdeiros casados e pacto antenupcial, se houver; e) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; f) documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver; g) certidão negativa de tributos; e h) Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR, se houver imóvel rural a ser partilhado.
Art. 31. A escritura pública de inventário e partilha pode ser lavrada a qualquer tempo, cabendo ao tabelião fiscalizar o recolhimento de eventual multa, conforme previsão em legislação tributária estadual e distrital específicas.
Da leitura da norma se observa que a exigência da Res. 35 só pode se referir aos tributos que operam necessariamente ou facultativamente dentro de um inventário extrajudicial. Os tributos necessários a serem observados são, aprioristicamente, o imposto de transmissão causa mortis (ITCMD) que incide sobre os bens da herança; o laudêmio sobre a transmissão, caso aplicável; e, o ITR quitado, haja vista norma federal nesse sentido. Por outro lado, os tributos a serem verificados pelo tabelião que podem incidir de forma facultativa, ou voluntária, são, por exemplo, o ITBI quando há transmissão por meio de cessão de direitos hereditários onerosa; o ITCMD quando há renúncia translativa ou doação operando por também cessão de direitos hereditários, para citar os mais evidentes. Em todos esses casos o tabelião deverá verificar integralmente a quitação dos impostos.
Já para os débitos tributários impróprios, ou seja, aqueles não intrínsecos ao próprio procedimento de inventário, exigir a sua quitação é atentar contra o sistema constitucional vigente, conforme se percebe no próximo item referente à sanção política do Ente aos herdeiros.
C. A proibição de haver sanção política no não pagamento de impostos, conforme precedentes do STF:
O não pagamento de débitos tributários, seja pela existência da dívida, seja por sua discordância não podem ser entraves que impossibilitem os herdeiros de receber o patrimônio do falecido. Tanto pela própria disposição do artigo 1.784 do CCB (saisine) quanto pela inconstitucionalidade de haver sanção política pela inadimplência tributária.
O viés da sanção política em relação aos débitos tributários do falecido trata sobre a negativa de que se lavre ou registre inventário extrajudicial sem a certidão negativa ou positiva com efeitos de negativa em relação aos débitos tributários em nome do autor da herança.
Nos casos em que ocorre a sanção política e constrangimento para pagamento dos débitos tributários é possível aferir que os herdeiros ficam sem qualquer alternativa para discutir a obrigação, devendo efetivar a quitação ou o parcelamento do quantum debeatur – mesmo que sejam contra o lançamento.
A sanção política em ordem tributária é, além de nociva, inadmissível em um estado constitucional em que a pessoa humana (cidadão) seja o ponto central. E o posicionamento firme ocorreu nas ADI’s 173 e 394 da Corte Maior.
Por essas e outras é que os tribunais pátrios vêm decidindo a favor da dispensa das certidões negativas ou positivas com efeito de positivas para a lavratura e registro de inventário extrajudicial.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por meio do seu Conselho da Magistratura, inclusive, já consolidou o entendimento no Enunciado n.o 02, publicado em 22/11/2013, no Caderno I – Administrativo, página 9, do D.J.E.R.J., in verbis:
“2. A exigência de apresentação de certidão negativa de débito (CND) do INSS para fins de registro de imóvel é inconstitucional”.
PROCESSO No 0011265-59.2021.8.19.0001
RELATOR: DES. PAULO BALDEZ
SUSCITANTE: CARTÓRIO DO 5o OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL/RJ
EMENTA OFICIAL: REMESSA NECESSÁRIA. DÚVIDA REGISTRAL. CARTÓRIO DO 5º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL/RJ. Requerimento de registro de Escritura Pública de Inventário e Partilha de bens. Negativa do ato tendo em vista a necessidade de apresentação de certidões negativas de tributos. Sentença que julgou a dúvida improcedente. Parecer da Procuradoria Geral da Justiça pela confirmação da sentença. Aplicação dos efeitos transcendentes dos motivos determinantes das razões expostas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 394/DF e 173/DF. Entendimento de que eventual existência de débitos tributários não pode constituir óbice à prática de atos civis, por caracterizar sanção política. Sentença que se confirma, em reexame necessário. (TJRJ. CM. Processo n. 0011265-59.2021.8.19.0001, Comarca da Capital, Relator Des. Paulo Baldez, julgado em 10/03/2022 e publicado em 12/04/2022).
Também explícito na ementa da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 173 do STF:
“CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1o, I, III E IV, PAR. 1o A 3o, E ART. 2o. 1. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADAS CONTRA OS ARTS. 1o, I, II, III E IV, PAR. 1o A 3o E 2o DA LEI 7.711/1988, QUE VINCULAM A TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO PARA O EXTERIOR (ART. 1o, I), REGISTRO OU ARQUIVAMENTO DE CONTRATO SOCIAL, ALTERAÇÃO CONTRATUAL E DISTRATO SOCIAL PERANTE O REGISTRO PÚBLICO COMPETENTE, EXCETO QUANDO PRATICADO POR MICROEMPRESA (ART. 1o, III), REGISTRO DE CONTRATO OU OUTROS DOCUMENTOS EM CARTÓRIOS DE REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS (ART. 1o, IV, A), REGISTRO EM CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS (ART. 1o, IV, B) E OPERAÇÃO DE EMPRÉSTIMO E DE FINANCIAMENTO JUNTO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, EXCETO QUANDO DESTINADA A SALDAR DÍVIDAS PARA COM AS FAZENDAS NACIONAL, ESTADUAIS OU MUNICIPAIS (ART. 1o, IV, C) - ESTAS TRÊS ÚLTIMAS NAS HIPÓTESES DE O VALOR DA OPERAÇÃO SER IGUAL OU SUPERIOR A CINCO MIL OBRIGAÇÕES DO TESOURO NACIONAL - À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS EXIGÍVEIS, QUE TENHAM POR OBJETO TRIBUTOS E PENALIDADES PECUNIÁRIAS, BEM COMO CONTRIBUIÇÕES FEDERAIS E OUTRAS IMPOSIÇÕES PECUNIÁRIAS COMPULSÓRIAS. 2. ALEGADA VIOLAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO LIVRE ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO (ART. 5o, XXXV DA CONSTITUIÇÃO), NA MEDIDA EM QUE AS NORMAS IMPEDEM O CONTRIBUINTE DE IR A JUÍZO DISCUTIR A VALIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CARACTERIZAÇÃO DE SANÇÕES POLÍTICAS, ISTO É, DE NORMAS ENVIESADAS A CONSTRANGER O CONTRIBUINTE, POR VIAS OBLÍQUAS, AO RECOLHIMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. 3. ESTA CORTE TEM HISTORICAMENTE CONFIRMADO E GARANTIDO A PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL ÀS SANÇÕES POLÍTICAS, INVOCANDO, PARA TANTO, O DIREITO AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS E PROFISSIONAIS LÍCITAS (ART. 170, PAR. ÚN., DA CONSTITUIÇÃO), A VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANTIVO (FALTA DE PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DE MEDIDAS GRAVOSAS QUE SE PREDISPÕEM A SUBSTITUIR OS MECANISMOS DE COBRANÇA DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS) E A VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL MANIFESTADO NO DIREITO DE ACESSO AOS ÓRGÃOS DO EXECUTIVO OU DO JUDICIÁRIO TANTO PARA CONTROLE DA VALIDADE DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS, CUJA INADIMPLÊNCIA PRETENSAMENTE JUSTIFICA A NEFASTA PENALIDADE, QUANTO PARA CONTROLE DO PRÓPRIO ATO QUE CULMINA NA RESTRIÇÃO. É INEQUÍVOCO, CONTUDO, QUE A ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NÃO SERVE DE ESCUSA AO DELIBERADO E TEMERÁRIO DESRESPEITO À LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. NÃO HÁ QUE SE FALAR EM SANÇÃO POLÍTICA SE AS RESTRIÇÕES À PRÁTICA DE ATIVIDADE ECONÔMICA OBJETIVAM COMBATER ESTRUTURAS EMPRESARIAIS QUE TÊM NA INADIMPLÊNCIA TRIBUTÁRIA SISTEMÁTICA E CONSCIENTE SUA MAIOR VANTAGEM CONCORRENCIAL. PARA SER TIDA COMO INCONSTITUCIONAL, A RESTRIÇÃO AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ECONÔMICA DEVE SER DESPROPORCIONAL E NÃO-RAZOÁVEL. 4. OS INCISOS I, III E IV DO ART. 1o VIOLAM O ART. 5o, XXXV DA CONSTITUIÇÃO, NA MEDIDA EM QUE IGNORAM SUMARIAMENTE O DIREITO DO CONTRIBUINTE DE REVER EM ÂMBITO JUDICIAL OU ADMINISTRATIVO A VALIDADE DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. VIOLAM, TAMBÉM O ART. 170, PAR. ÚN. DA CONSTITUIÇÃO, QUE GARANTE O EXERCÍCIO DE ATIVIDADES PROFISSIONAIS OU ECONÔMICAS LÍCITAS. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1o, I, III E IV DA LEI 7.711/'988. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, POR ARRASTAMENTO DOS PARÁGRAFOS 1o A 3o E DO ART. 2o DO MESMO TEXTO LEGAL.
Nessa esteira, em decisão interessante e já colacionada em nosso blog, também já decidiu o Tribunal de Justiça de Pernambuco
Pedido de Providências no 1027/2019 – CGJ
Tramitação n° 1036/2019
Consulente: Elison Rodrigues Sobral – OAB/PE 45.577
Interessado: Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Pernambuco
Assunto: Pedido de providências referente ao procedimento de inventário extrajudicial
EMENTA – CONSULTA – INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL – APRESENTAÇÃO DE CND – DISPENSÁVEL – HERDEIRO POR REPRESENTAÇÃO NÃO PRECISA PREVIAMENTE ABRIR O INVENTÁRIO DO PRÉ-MORTO.
Nesse sentido, também a própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em conjunto com a Receita Federal do Brasil editou há quase 10 anos a Portaria Conjunta RFB/PGFN nº 1751, de 02/10/14, que dispensa a CND da PGFN/RFB nas questões atinentes ao inventário, conforme se vê:
Art. 17. Fica dispensada a apresentação de comprovação da regularidade fiscal: I – na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo, que envolva empresa que explore exclusivamente atividade de compra e venda de imóveis, locação, desmembramento ou loteamento de terrenos, incorporação imobiliária ou construção de imóveis destinados à venda, desde que o imóvel objeto da transação esteja contabilmente lançado no ativo circulante e não conste, nem tenha constado, do ativo permanente da empresa;
II – nos atos relativos à transferência de bens envolvendo a arrematação, a desapropriação de bens imóveis e móveis de qualquer valor, bem como nas ações de usucapião de bens móveis ou imóveis nos procedimentos de inventário e partilha decorrentes de sucessão causa mortis;
III – nos demais casos previstos em lei.
BREVE CONCLUSÃO:
O atual descompasso da norma disposta no artigo 326 do CNCGJ/TJPB com a situação constitucional vigente é a exigência de apresentação das certidões de negativas ou positivas com efeitos de negativas de débitos tributários impróprios ao inventário, tais quais as CND’s federal, estadual e municipal. Questão já superada em outras unidades da federação, como São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro, para citar algumas.
E tais débitos podem ser de qualquer natureza, desde que se refiram aos bens deixados pelo autor da herança. Inclusive, pode ser aplicado aos casos de exigência de regularidade do IPTU para registro de inventário extrajudicial, como se vê em algumas serventias imobiliárias do estado paraibano.
Dessa forma, sustentamos que a exigência de certidões de débitos tributários negativas ou positivas com efeitos de negativas deveriam ser revistas pela Egrégia Corregedoria Geral de Justiça da Paraíba, para que se readéque às melhores práticas normativas vigentes. Suprimindo ou reescrevendo o artigo 326 do CNCGJ/TJPB
Na decisão da CGJ de SP que hoje se colaciona na íntegra, a questão envolvia débitos tributários municipais que recaíam sobre bens do espólio. No entanto, a consulta levou em consideração não só os débitos com a municipalidade, mas também aqueles referentes à União – questão essa que já havia sido superada pela normativa paulista.
Segue o parecer da CGJ do estado de São Paulo a respeito do tema, com grifos nossos.
Bons estudos!
(84-2021-E)
NORMAS DE SERVIÇO DOS CARTÓRIOS EXTRAJUDICIAIS – Tabelionato de Notas – Dúvida sobre a vigência do item 116.2 do Capítulo XVI das NSCGJ, depois da revogação da alínea i do item 118 – Parecer pela supressão do item 116.2, uma vez que, para a lavratura de escritura pública de inventário e partilha causa mortis, não são óbices os “débitos tributários municipais e da Receita Federal” mencionados na regra em análise – Proposta de expedição de provimento.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
1. Editado, por esta Corregedoria Geral, o Provimento CG n. 08/2021, de 05 de fevereiro de 2021, que mandou suprimir a alínea i do item 118 do Capítulo XVI do Tomo II das Normas de Serviço (fl. 55/56), vieram a estes autos as seguintes representações:
(a) a primeira (fl. 74/78), formulada pelo Ilustríssimo Senhor Fernando Blasco, 30º Tabelião de Notas da Comarca de São Paulo, em que afirma que não existe proibição legal que impeça a lavratura de escritura pública de inventário e partilha por conta da existência de tributos federais ou municipais. Menciona, em particular, que a jurisprudência contenciosa tem declarado a inconstitucionalidade do art. 47 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, e que, na esfera municipal, o imposto predial é propter rem, e a maior parte dos falecidos não é contribuinte de imposto sobre serviços. Acrescenta que causa estranheza o fato de que os tributos estaduais não impeçam a lavratura, como se o intento fosse facilitar a arrecadação do imposto causa mortis. SUGERE, ASSIM, QUE SEJA AFASTADO O ITEM 116.2 DO CAPÍTULO XIV, O QUE SE TRADUZIRIA PELA EXPRESSA INDICAÇÃO, NO ATO NOTARIAL, DOS DÉBITOS TRIBUTÁRIOS CONHECIDOS PELAS PARTES, QUE ASSUMIRIAM A SUA RESPONSABILIDADE CIVIL E TRIBUTÁRIA, SEM PREJUÍZO DA ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS COMPETENTES, SEGUNDO O § 2º DO ART. 659 DO CÓD. DE PROC. CIVIL DE 2015; e (b) a segunda (fl. 83-84), apresentada pela Ilustríssima Senhora Juliana Alves Miras Barros, Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito do Braço, na Comarca de Eldorado, sugerindo alteração do dito item 116.2, suprimindo o impeditivo concernente aos débitos da Receita Federal.
O Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo manifestou-se (fl. 96/100), salientando que, nos termos do art. 659 do Cód. de Proc. Civil vigente, a lei não condiciona a partilha amigável à inexistência de débitos tributários; assim, impor essa comprovação não é requisito legal e constitui sanção política, o que permite afastar se o item 116.2. Aduz que a supressão da alínea i do item 118, sem alteração do item 116.2, pode tornar inútil a modificação, pois este último dispositivo pode continuar a levar os tabeliães a exigir as certidões federais. Nesses termos, conclui o Colégio Notarial pela revogação expressa do item 116.2, como medida harmônica com o Provimento CG n. 08/2021.
É o relatório.
Passo a opinar.
2. O item 116.2 da vigente redação do Capítulo XVI das NSCGJ reza: “Os débitos tributários municipais e da receita federal (certidões positivas fiscais municipais ou federais) impedem a lavratura da escritura pública.”
De fato, suprimida a exigência de apresentação de certidão negativa conjunta passada pela Receita Federal do Brasil – RFB e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN, é inconveniente continuar a prescrever que “os débitos tributários... da receita federal... impedem a lavratura da escritura pública”, porque, afinal, o único modo de saber se essas dívidas existem ou não é, justamente, tornar a exigir aquelas certidões que se dispensaram com a revogação da alínea i do item 118.
Desse modo, deve-se realmente modificar o item 116.2, para suprimir, nele, a referência às exigências fiscais federais, em alinhamento com o que já se tinha decidido para a edição do Provimento CG n. 08/2021.
Resta saber se também se convenha alterar o item 116.2, no que diz respeito à referência aos débitos tributários municipais. A resposta tem de ser afirmativa, pois a proibição de lavrar-se escritura pública de inventário e partilha causa mortis, se houver débitos tributários municipais, não decorre diretamente de lei e, logo, não pode ser imposta por regras administrativas, como são aquelas postas nas Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais.
O inventário e a partilha a causa de morte, na via extrajudicial (Cód. de Proc. Civil, art. 610, §§ 1º-2º; antes, Lei n. 11.441, de 04 de janeiro de 2007, art. 1º, e Cód. de Proc. Civil de 1973, art. 982), guarda paralelismo com o arrolamento sumário, que também é partilha amigável, mas feita em juízo (Cód. de Proc. Civil, art. 659, caput).
Ora, se no arrolamento sumário não há espaço para a discussão de “tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio” (art. 662, caput) – com efeito, o fisco é intimado a posteriori “para lançamento administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos porventura incidentes, conforme dispuser a legislação tributária” (art. 659, § 2º, in fine), “não ficando as autoridades fazendárias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros” (art. 662, § 2º, in fine) –, então o mesmo se deve entender no caso do assim chamado inventário extrajudicial, que, portanto, não pode ser paralisado pela existência de “tributos municipais”, como referido no vigente item 116.2.
Note-se, nesse sentido, que, em sua origem (isto é, na dicção do item 115.1 do antigo Capítulo XIV das NSCGJ, como ditada pelo art. 1º do Provimento n. 40, de 14 de dezembro de 2012), o item que hoje se numera como 116.2 do Capítulo XVI afirmava que “os débitos tributários não impedem a lavratura da escritura pública”, o que, de resto, é consentâneo com os arts. 15, 22, g, e 31 da Resolução n. 35, de 24 de abril de 2007, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, regras essas que não impõem a vinda de certidões negativas municipais para o inventário e a partilha causa mortis na via extrajudicial, e que estão reproduzidas, aliás, nos atuais itens 110, 118, g, e 129 do dito Capítulo XVI.
Tudo considerado, convém suprimir-se por inteiro o item 116.2: de um lado, porque a edição do Provimento CG n. 08/2021 fez supérflua a referência a tributos “da Receita Federal” como óbice para a lavratura; de outro, porque “débitos tributários municipais” não são óbices legais ao inventário e à partilha extrajudiciais, como se tira do Cód. De Proc. Civil e da Res. CNJ n. 35/2007.
Propõe-se para esse fim a expedição de Provimento próprio, com a redação que vai anexa.
3. Este é o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, instruído com a anexa proposta de Provimento.
Sub censura.
São Paulo, 19 de março de 2021.
Josué Modesto Passos
Juiz Assessor da Corregedoria
(assinado digitalmente)
DESEMBARGADOR RICARDO MAIR ANAFE,
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
NO USO DE SUAS ATRIBUIÇÕES LEGAIS,
CONSIDERANDO a necessidade de constante aperfeiçoamento das Normas de Serviço das Unidades Extrajudiciais;
CONSIDERANDO que o Provimento n. 8, de 5 de fevereiro de 2021, desta Corregedoria, já suprimira a alínea i do item 118 do Capítulo XVI das Normas de Serviço das Unidades Extrajudiciais, em conformidade com o inciso II do art. 17 da Portaria Conjunta n. 1.751, de 2 de outubro de 2014, da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, supressão essa que fez incongruente a referência a “débitos tributários da Receita Federal”, no item 116.2 do mesmo Capítulo;
CONSIDERANDO que aquele mesmo item 116.2 do Capítulo XVI põe como óbice ao inventário e à partilha causa mortis, na via extrajudicial, a existência de “débitos tributários municipais”, o que não é consentâneo com os artigos 659-667 do Cód. de Proc. Civil nem com a Resolução n. 35, de 24 de abril de 2007, do Conselho Nacional de Justiça;
CONSIDERANDO o decidido no Processo CG nº 2020/00088052;
RESOLVE:
Art. 1º - Suprimir o item 116.2 do Capítulo XVI do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Art. 2º - Este Provimento entrará em vigor na data de sua publicação.
São Paulo, __ de _____ de 2021.
RICARDO MAIR ANAFE
Corregedor Geral da Justiça
(assinado digitalmente)
C O N C L U S Ã O
Em 22 de março de 2021, faço estes autos conclusos ao Excelentíssimo
Senhor Desembargador RICARDO ANAFE, DD. Corregedor Geral da
Justiça do Estado de São Paulo.
Vistos.
Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria por seus fundamentos, que adoto.
Edito, em consequência, o anexo Provimento nº 13/2021.
Dê-se ciência do parecer, e desta decisão, aos que intervieram neste procedimento (fl. 03/04, 74/78 e 83/84) autor da representação e ao Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo.
São Paulo, 22 de março de 2021.
RICARDO ANAFE
Corregedor Geral da Justiça
(assinado digitalmente)
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