É possível incidir usucapião sobre imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade?
Hoje abordaremos um tema bastante interessante, mas que pode ser solucionado sem muito rodeio:
- É possível usucapir imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade?
Para responder à pergunta devemos abordar:
a) O que é usucapião;
b) O que é inalienabilidade.
A usucapião, segundo a corrente majoritária da doutrina é modo de aquisição originária. Isso quer dizer que a posse mansa e pacífica, com ânimo de dono, por um determinado tempo sobre um bem suscetível de apropriação fará com que alguém perda a propriedade em favor do possuidor que cumpriu os requisitos do comando legal. É forma direta de aquisição, fazendo com que após cumprido os requisitos o domínio transmute de titularidade de "A" para "B".
Ao passo que a inalienabilidade é a impossibilidade de disposição do bem por uma restrição legal ou voluntária. No caso das restrições relativas à inalienabilidade que envolvem a usucapião, o mais comum é o caso de um titular do domínio que recebeu a coisa com uma restrição à sua disponibilidade. Isso pode ocorrer, por exemplo, com o imóvel doado para alguém e que saindo de sua parte disponível estabeleça cláusulas de inalienabilidade, nos termos do artigo 1.911 do Código Civil Brasileiro.
É mandatório lembrar que as restrições não poderão superar a vida do donatário. Isso, inclusive, já foi afirmado inúmeras vezes pelo STJ: "Essa espécie de disposição restringe o direito de propriedade do herdeiro, que não poderá dispor do bem durante a sua vigência. Sobre tal aspecto, a jurisprudência deste Tribunal Superior é pacífica no sentido de que mesmo a cláusula de inalienabilidade vitalícia vigora apenas enquanto viver o beneficiário, de modo que o seu falecimento implica a transferência dos bens objeto de restrição livres e desembaraçados aos seus herdeiros (AgInt no AREsp 1364591/SP, Quarta Turma, DJe 01/10/2020; REsp 1712097/RS, Terceira Turma, DJe 13/04/2018; REsp 1101702/RS, Terceira Turma, DJe 09/10/2009)".
Outrossim, para que haja direito real sobre imóvel também será sempre necessário que esteja publicizado na matrícula do imóvel, já que um direito não inscrito no fólio real não pode ser considerado um direito real - quando se tratar da constituição de direitos, nos termos dos artigos 1.227 e 1.245 a 1.247.
O tema não é novo e já foi superado diversas vezes na doutrina e na jurisprudência.
Embora recente decisão do Superior Tribunal de Justiça tenha reavivado os debates e afirmado que:
"Mas, fato é que, independentemente da incidência ou não do mencionado dispositivo legal à hipótese, mesmo antes da sua edição e entrada em vigor (Lei 10.931/2004), a jurisprudência desta Corte admitia a aquisição por usucapião de bem gravado com cláusula de inalienabilidade.
O próprio STJ já admitira inúmeras vezes a usucapião sobre coisa gravada com cláusula de inalienabilidade:
"USUCAPIÃO. Bem com cláusula de inalienabilidade. Testamento. Art. 1676 do CCivil.
O bem objeto de legado com cláusula de inalienabilidade pode ser usucapido. Peculiaridade do caso. Recurso não conhecido. (REsp 418.945/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/2002, DJ 30/09/2002, p. 268)\ (grifou-se)
DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO. AQUISIÇÃO DO IMÓVEL POR CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. BEM GRAVADO COM CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE. AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO. POSSIBILIDADE.
PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.
- Na linha dos precedentes desta Corte, a existência de cláusula de inalienabilidade não obsta o reconhecimento do usucapião, uma vez tratar-se de modalidade de aquisição originária do domínio.
(REsp 207.167/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2001, DJ 03/09/2001, p. 226) (grifou-se)
AÇÃO RESCISORIA. USUCAPIÃO. IMOVEL GRAVADO COM CLAUSULA DE INALIENABILIDADE. RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. 1. NA AÇÃO RESCISORIA, O RECURSO ESPECIAL DEVE INVESTIR CONTRA OS TERMOS DO ACORDÃO RECORRIDO E NÃO DIRIGIR-SE AO ACORDÃO RESCINDENDO. PRECEDENTE DA 2A. SEÇÃO. RESP INADMISSIVEL. 2. A EXISTENCIA DE CLAUSULA DE INALIENABILIDADE NÃO OBSTA O RECONHECIMENTO DO USUCAPIÃO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (REsp 27.513/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 12/02/1996, DJ 15/04/1996, p. 11534) (grifou-se)"
Não somente os Tribunais têm decidido há tempos a respeito da questão, como o IRIB (Instituto de Registro Imobiliário do Brasil) já efetivou consulta no mesmo sentido:
https://www.irib.org.br/noticias/detalhes/irib-responde-usucapi-atilde-o-im-oacute-vel-gravado-com-cl-aacute-usula-de-inalienabilidade
"Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza já abordou esta questão em obra intitulada “As restrições voluntárias na transmissão de bens imóveis – cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade”, publicado pela Quinta Editorial, em 2012, p. 93. Vejamos como se manifesta o autor:
“d) Usucapião de bem inalienável
A cláusula de inalienabilidade impede a alienação voluntária, assim como a forçada do bem, eis que engloba a cláusula de impenhorabilidade.
Contudo, não há como afastar a possibilidade de usucapião de imóvel gravado com inalienabilidade, eis que se trata de aquisição originária e de direito reconhecido, em determinadas circunstâncias, até mesmo em sede constitucional. Ademais, a propriedade deve atender à sua função social, nos termos do art. 5º, XXIII, da Constituição Federal.”
Em resumo:
- Cláusula de inalienabilidade sem registro é restrição à propriedade?
Não, caso haja ausência da inscrição no fólio real estar-se-á diante, apenas, de direito obrigacional inter-partes que não pode ser oposto a terceiros de boa-fé.
- Faz sentido dizer que cláusulas de inalienabilidade impedem a aquisição originária?
Se o encadeamento do imóvel é desintegrado com a usucapião, não existe qualquer óbice para que seja admitida a usucapião sobre bem com cláusula de inalienabilidade.
Saudações do seu tabelião Marcello Antunes.
Tabelião do NOVO Sétimo Tabelionato de Notas de Campina Grande / PB
Complexo Heron Marinho - R. José Bernardino, 97 - loja 17 - Vila Cabral, Campina Grande - PB, 58408-027
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