A decisão a seguir colacionada trata da impugnação do titular de direito real da matrícula acerca da ausência de quitação do preço pelo usucapiente. Como havia litígio o requerimento de usucapião extrajudicial restou frustrado.
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Usucapião extrajudicial - impugnação fundamentada
1VRPSP - Processo: 1120248-03.2022.8.26.0100
Localidade: São Paulo Data de Julgamento: 31/01/2023 Data DJ: 01/02/2023 Unidade: 9
Relator: Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Jurisprudência: Indefinido
Usucapião extrajudicial - impugnação fundamentada.
íntegra
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - COMARCA DE SÃO PAULO - FORO CENTRAL CÍVEL - 1a VARA DE REGISTROS PÚBLICOS
Processo Digital no 1120248-03.2022.8.26.0100
Classe - Assunto Dúvida - Registro de Imóveis
Suscitante: 9o Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo - Sp Suscitado: IZAIAS PEREIRA DE LIMA e outro
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 9o Registro de Imóveis da Capital em decorrência de impugnação de Orlando Federzoni e Eucélia Federzoni contra requerimento de Izaias Pereira de Lima e Ely Damasceno de Lima pelo reconhecimento extrajudicial de usucapião do apartamento n.101, localizado no 10o andar, bem como das vagas de garagem n.37 e 38 do Edifício Panorâmico, objeto das matrículas n.116.932, n.116.970 e n. 116.971 daquela serventia (prenotação n.679.722).
O Oficial informa que o pedido foi devidamente autuado, o ciclo citatório se completou e os proprietários tabulares apresentaram impugnação alegando, em síntese, o não cumprimento de obrigação contratual pelos requerentes, que deixaram de pagar parte da quantia referente à venda dos imóveis; que foi promovida tentativa de conciliação, mas as partes não demonstraram interesse; que a impugnação é fundamentada, pelo que remeteu o caso a juízo.
Documentos vieram às fls. 03/476.
Intimada na forma do item 420.4, Cap.XX, das NSCGJ, a parte requerente não se manifestou (fls.481 e 486/492).
O Ministério Público opinou pela impossibilidade de prosseguimento do procedimento extrajudicial (fls. 496/498).
É o relatório. Fundamento e Decido.Por primeiro, é importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da usucapião administrativa, a qual segue rito próprio, com regulação pelo artigo 216-A da Lei no 6.015/73, pelo Prov. 65/17 do CNJ e pela Seção XII do Cap. XX das NSCGJSP.
Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.
Neste sentido, decidiu o Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n. 1004044-52.2020.8.26.0161, com relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Des. Ricardo Anafe (destaque nosso):
"Usucapião Extrajudicial direito que deve ser declarado por ação judicial ou expediente administrativo nas hipóteses em que os pressupostos legais estejam rigorosamente cumpridos possibilidade de regularização do imóvel de maneira diversa à usucapião que não impede esta última, inclusive por procedimento administrativo recusa indevida quanto ao processamento do pedido dúvida improcedente - Recurso provido com determinação para prosseguimento do procedimento de usucapião Extrajudicial".
No mérito, a dúvida procede. Vejamos os motivos.
Sabe-se que o procedimento de usucapião extrajudicial tem como principal requisito a inexistência de lide, de modo que, apresentada qualquer impugnação, a via judicial se torna necessária, cabendo à parte suscitada emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum nos termos do § 10, do artigo 216-A, da Lei n. 6.015/73.
As Normas de Serviço da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, prestigiando a qualificação do Oficial de Registro e a importância do procedimento extrajudicial, trouxeram pequena flexibilização a tal regra no item 420.5 de seu Capítulo XX, permitindo que seja julgada a fundamentação da impugnação, com afastamento daquela claramente impertinente ou protelatória:
"420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação".
Como bem esclarece o dispositivo, tal julgamento deve se dar de plano ou após instrução sumária, não cabendo ao juiz corregedor permitir a produção de prova para que se demonstre a existência de óbice ao reconhecimento da usucapião.
De igual forma, não cabe a este juízo afastar intervenção sob o fundamento de eventual ilegitimidade. É dizer que, apresentada impugnação, deve-se apenas verificar se seu caráter é meramente protelatório ou completamente infundado.
Havendo qualquer indício de veracidade que justifique a existência de conflito de interesses, a via extrajudicial se torna prejudicada, devendo o interessado se valer da via contenciosa, sem prejuízo de utilizar-se dos elementos constantes do procedimento extrajudicial para instruir seu pedido, emendando a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum (item 420.8, Cap. XX, das NSCGJ).
No caso em tela, os requerentes Izaías e Ely alegam exercer posse mansa e pacífica há mais de vinte anos sobre os imóveis que adquiriram por meio de compromisso de venda e compra firmado em novembro de 1997 com os proprietários tabulares Orlando e Eucélia. Também afirmaram, inicialmente, que quitaram todas asobrigações contratuais assumidas e tentaram obter a outorga da escritura definitiva, mas os vendedores se recusam, exigindo o pagamento de quantia além da contratada (item 2, fl.07).
O instrumento particular veio às fls.37/46, estipulando em cento e sessenta mil reais o preço da venda, o qual seria pago mediante sinal de cem mil reais, representado por dois imóveis em construção, mais um saldo devedor dividido em quatro parcelas representadas por notas promissórias.
Notificados sobre o procedimento extrajudicial, os proprietários tabulares apresentaram impugnação, sustentando que os compradores deixaram de pagar parte do preço contratado; que concederam condições mais favoráveis para pagamento devido à relação de amizade e de comunhão religiosa, além de respeito por grave doença que acometeu o comprador; que dois cheques foram entregues como garantia da dívida, mas seu desconto não foi autorizado e que a dívida atualizada até março de 2022 somava a quantia de cento e trinta e três mil e setenta reais (fls.412/418).
Diante da impugnação, os requerentes foram convidados para reunião de conciliação (fls.431/432, 467/470), mas sem sucesso. A impugnação foi considerada fundamentada (fls.475/476).
Todo o exposto evidencia a configuração de conflito em relação à natureza da posse exercida pela parte suscitada, o que impede a análise da questão por este juízo administrativo.
Em outros termos, por estar a impugnação devidamente fundamentada e por não ser possível afastar de plano todas as razões opostas ao direito alegado, notadamente pela ausência de prova inequívoca de quitação do preço acordado, a questão deverá ser dirimida em processo judicial, com garantia de contraditório e ampla defesa (possibilidade de dilação probatória).
Diante do exposto, ACOLHO A IMPUGNAÇÃO, determinando a extinção da usucapião extrajudicial, com cancelamento da prenotação n. 679.722 e remessa da parte suscitada às vias ordinárias para solução do conflito nos termos dos itens 420.7 e 420.8 do Cap. XX das NSCGJ.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 31 de janeiro de 2023. Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad Juiz de Direito
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