A antecipação da legítima, tão presente no planejamento sucessório, ainda gera alguma insegurança aos cidadãos no que tange à matéria tributária. Isso porque o Fisco persiste em defender a tese de que há incidência de Imposto de Renda sobre o ganho de capital entre o valor adquirido do bem e o valor tributado no momento da antecipação.
Todavia, parece que a decisão em análise traz alguma previsibilidade jurídica e tendência de manutenção dos argumentos para quem opta pela partilha em vida.
1. A legítima e sua antecipação: um direito já constituído
A legítima é a parcela do patrimônio destinada, por força de lei, aos herdeiros necessários – um direito que não pode ser tolhido dos sucessores. Quando se antecipa esse direito, surgem dúvidas quanto à eventual incidência do Imposto de Renda.
A controvérsia gira em torno da hipótese de que o adiantamento configuraria um acréscimo patrimonial, fato que, pela interpretação da fiscalidade, ensejaria a tributação.
Contudo, essa linha de raciocínio não se sustenta, pois a antecipação da legítima não altera a natureza do direito sucessório. De acordo com o artigo 1.784 e o princípio de saisine, a partilha em vida nada mais é do que antecipar o cumprimento de uma obrigação ope legis, sem qualquer enriquecimento ou geração de nova receita (se haverá na venda do bem pelo herdeiro e novo titular, aí é outra história).
E se há transmissão decorrente de lei de “A” para “B” sem qualquer alienação voluntária – que simplesmente ocorre por falecimento do titular (ou antecipação dessa situação inevitável), é impossível falar em ganho de capital.
Veja o trecho do acórdão do STF:
“O recurso busca fundamento no art. 102, III, b, da Constituição Federal. Sustenta, em essência, que “a doação em si mesma não representa acréscimo patrimonial ao doador. Todavia, os artigos impugnados não pretendem estender a incidência do Imposto de Renda sobre a doação, mas sobre o acréscimo patrimonial resultante do cotejo entre o valor do bem constante na declaração do doador e o valor atribuído ao bem na transferência ao donatário. Trata-se de acréscimo patrimonial já consumado, pois o doador já tinha efetiva disponibilidade jurídica do valor acrescido ao seu patrimônio antes da doação”.
2. STF e STJ: a jurisprudência já consolidada
O STF tem reiteradamente afastado a incidência do IR na antecipação da legítima, fundamentando-se na premissa de que não há criação de nova receita, mas apenas a entrega antecipada de um direito já existente.
Da mesma forma, o STJ segue essa linha. Diversos precedentes – inclusive aqueles explorados em artigos anteriores no Oráculo do 7T – evidenciam que a antecipação da legítima não se configura como fato gerador do Imposto de Renda. Esse alinhamento entre os tribunais superiores reforça a segurança jurídica e permite que o planejamento patrimonial siga com a devida previsibilidade.
3. A decisão de Flávio Dino em 2024: reforço ao entendimento já consolidado
Em 2024, o Ministro Flávio Dino reafirmou essa interpretação. Dois trechos da decisão, extraídos dos arquivos do projeto, ilustram bem o entendimento:
"A antecipação da legítima, por antecipar o adimplemento de um direito sucessório já constituído, não gera qualquer fato gerador para o Imposto de Renda, por não implicar acréscimo patrimonial ou realização de receita."
E ainda:
"O adiantamento do direito sucessório se consubstancia em mera antecipação temporal do cumprimento de obrigação legal, não se configurando como ganho que possa ser tributado nos moldes do Imposto de Renda."
Esses trechos deixam claro que a Receita Federal não pode tributar um ato que se resume a ajustar o momento do recebimento de um direito que já pertence ao herdeiro.
4. Impacto para o planejamento sucessório
A consolidação desse entendimento traz implicações práticas importantes:
Mais segurança jurídica: Advogados e planejadores patrimoniais podem orientar seus clientes com uma menor probabilidade de discussões fiscais.
Evita tributação indevida: A incidência do IR após a doação parece, sim, se tratar de uma bitributação.
Fortalece o planejamento sucessório: A antecipação da legítima e sua carga tributária menor persiste em se mostrar um instrumento eficiente para a organização patrimonial.
5. Conclusão: tributação afastada, segurança reforçada
A decisão de Flávio Dino, alinhada ao entendimento consolidado pelo STF e corroborado pelo STJ, confirma que a antecipação da legítima não constitui fato gerador do Imposto de Renda. Trata-se, na prática, da antecipação do adimplemento de um direito do herdeiro que já constituído dentro do próprio sistema, e não de um acréscimo patrimonial.
Para os operadores do direito e para os profissionais que atuam no planejamento sucessório, esse cenário reforça a previsibilidade jurídica, evitando interpretações fiscais que poderiam onerar indevidamente o patrimônio dos herdeiros. Assim, a antecipação da legítima se consolida como uma estratégia segura e eficaz na organização patrimonial.
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