No post atual veremos mais um caso de necessidade de retificação pela via jurisdicional.
MATRÍCULA - BLOQUEIO
PROCESSO Nº 1000596-57.2018.8.26.0059 - BANANAL - BRACUHY AGRICULTURA E ENERGIA LTDA. - (483/2020-E) - Advogada: EGLE CRISTINA DE FREITAS GAVIÃO GUIMARÃES, OAB/SP 173.858. - DJE DE 19.11.2020, p. 2.
Registro de Imóveis - Procedimento administrativo (averbação) - Retificação do registro - Matrícula que abrange duas glebas que não possuem nenhuma descrição objetiva - Ofensa aos princípios da unitariedade da matrícula e da especialidade objetiva - Inviabilidade de retificação extrajudicial por impossibilidade de apurar os confrontantes - Falta de certidão de não sobreposição passada pelo Incra - Remessa à via jurisdicional - Parecer pelo não provimento do recurso administrativo, com determinação de bloqueio da matrícula.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
1. Trata-se de recurso administrativo, originalmente apresentado como apelação (fl. 170/173 e 195/196), interposto PRETIFICAÇÃO DE REGISTRO. DESCRIÇÃO PRECÁRIA - CONFRONTANTES. ESPECIALIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DA UNITARIEDADE. VIA JURISDICIONAL. ela sociedade Bracuhy Agricultura e Energia Ltda. contra a r. sentença (fl. 163/164) proferida pelo MM. Juízo Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Bananal, que manteve a recusa de averbação de retificação do registro (fl. 02, 04/06 e 141-143 nota devolutiva nº 150/2018) na matrícula n.º 2.019 daquele cartório (cópia parcial a fl. 30).
Segundo a r. sentença, as exigências postas na nota devolutiva disseram respeito ao histórico dos confrontantes e às certificações de não sobreposição de área passadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra. Tudo isso era necessário para a retificação e abertura de matrículas. Assim, andou bem o Oficial de Registro de Imóveis ao exigir, mais criteriosamente, que o interessado elencasse a cadeia de confrontantes e justificasse a alteração de área nos imóveis envolvidos. Ademais, estava correto impor a vinda de nova certificação de sobreposição de área, porque o documento trazido já perdera a sua eficácia. Por tudo isso, afirma o decisum recorrido que os óbices têm de ser mantidos, e que não se pode proceder à retificação enquanto não forem superados.
A interessada sustenta, em seu recurso, que a matrícula em questão é de todo irregular, pois abriga dois imóveis distintos e que não são sequer confrontantes. Bracuhy, entretanto, nunca concorreu para o erro, uma vez que a matrícula foi aberta de ofício, quando do registro stricto sensu de uma servidão administrativa. Assim, tanto que tomou conhecimento dessa irregularidade, a interessada solicitou a abertura de uma matrícula para cada gleba, e para tanto, por sugestão do Oficial, providenciou as plantas e a anuência dos confrontantes. Todavia, novas exigências foram-se sucedendo, até que se declarou que a pretendida retificação só seria possível na via jurisdicional. No entender da recorrente, isso não está correto, visto que desde logo é viável a abertura de duas matrículas distintas, uma para cada imóvel, com as descrições já existentes, finalidade para a qual tem de dar-se provimento ao recurso, reformando-se a sentença.
A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fl. 190/193).
É o relatório.
2. De início, consigne-se que, apesar da interposição do recurso com o nome de apelação, cuida-se aqui, substancialmente, de recurso administrativo (art. 246 do Código Judiciário do Estado), cujo processo e julgamento competem a esta Corregedoria Geral da Justiça o que, de resto, já foi esclarecido e corrigido pela v. decisão monocrática dada a fl. 195/196.
Quanto ao mérito do recurso, a r. sentença tem de ser mantida, tal como lançada.
Como se vê na cópia (parcial) posta a fl. 30, a matrícula nº 2.019 traz em si dois problemas graves, a saber:
(a) contém duas glebas distintas, as quais não é possível sequer verificar se sejam lindeiras (verbis "Duas glebas de terras em pastos, capoeiras e matas"), o que ofende o disposto na Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 176, § 1º, I (princípio da unitariedade da matrícula); e (b) não descreve a contento nenhuma dessas áreas, por usar expressões absolutamente imprecisas ("confrontando... com terras denominadas 'Bocaina', e com terras do Sertão 'Invernada', pertencentes aos sucessores de... Januário Ribeiro Guimarães, com a vertente da Serra do Mar e com quem de direito", de um lado, e "confrontando ao norte, com o Sertão da Bocaina, ao Sul, com a Serra do Mar...; a Este, com o Serão do Rio Vermelho, pelo rio Paca Grande; com a Igreja Evangélica Assembleia de Deus e ainda com os lotes números 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14") com violação, portanto, da Lei n. 6.015/1973, art. art. 176, § 1º, II, 3, e §§ 3º-8º e 13 (princípio da especialidade objetiva).
Dadas essas premissas, a retificação pretendida por Bracuhy (isto é, na via administrativa e, portanto, sem próprio e verdadeiro litígio) de fato depende da correta e segura indicação dos confrontantes que tenham de ser notificados, e da demonstração, por georreferenciamento, de que os dois imóveis (rurais, note-se) não se sobreponham a outros.
Porém, desde 2016, e depois de sucessivas idas e vindas (a fl. 141 mencionam-se sete prenotações), a recorrente não conseguiu refazer a cadeia dos lindeiros, de modo que o processo extrajudicial de retificação simplesmente não tem como prosseguir. Nesse sentido, reza expressamente o direito vigente:
"Lei 6.015/1973, art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação: II a requerimento do interessado, [...] instruído com planta e memorial descritivo assinado [...] pelos confrontantes." (grifou-se) "A retificação será negada pelo Oficial de Registro de Imóveis sempre que não for possível verificar que o registro corresponde ao imóvel descrito na planta e no memorial descritivo, identificar todos os confinantes tabulares do registro a ser retificado, ou implicar transposição, para o registro, de imóvel ou parcela de imóvel de domínio público, ainda que não seja impugnada. A transposição de parcela de imóvel pertencente a confrontante somente será admitida na hipótese de transação, na forma do subitem 136.24, com prova do recolhimento do imposto que incidir." (Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais NSCGJ, Capítulo XX, item 136.6, nota; grifou-se)
Por outro lado, a interessada não discute, em seu recurso, o capítulo da sentença em que se decidiu necessária a apresentação de certificação com prazo eficaz (Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, art. 9º, § 1º; Incra, Instrução Normativa nº 26, de 28 de novembro de 2005, Anexo I, item 4; cf. fl. 142 in fine e, especialmente, fl. 172-173), o que já é, de per si, bastante para que não se modifique o decisum.
Acrescente-se não haver razão de direito para que simplesmente se abram duas matrículas novas, uma para cada uma das glebas mencionadas naquela hoje existente (fl. 30), pois um erro pretérito (a matrícula atual, começada em contravenção aos princípios da unitariedade e da especialidade objetiva) não justifica outro futuro (dar-se novas matrículas a essas áreas, sem que haja descrição adequada para cada uma delas).
Resta à interessada, portanto, o socorro da via contenciosa, em que tem a seu dispor ação específica (Cód. de Proc. Civil, arts. 569-587).
Por fim, convém determinar-se o bloqueio da matrícula nº 2.019, pois nela existe vício sanável (Lei n. 6.015/1973, art. 214, caput) e a superveniência de qualquer nova inscrição (registro stricto sensu ou averbação que seja) poderá causar dano de difícil reparação a terceiros (eodem, art. 214, § 3º). Caberá ao MM. Juízo Corregedor Permanente fazer passar o relativo mandado de averbação, e o bloqueio - esclareça-se poderá ser levantado diretamente por ele (sem necessidade, pois, de provimento desta Corregedoria Geral), assim que a matrícula for posta em boa ordem.
3. Ante o exposto, o parecer que apresento ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo-se a r. sentença impugnada e, pois, confirmando-se as exigências opostas pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Bananal, com determinação de bloqueio da matrícula nº 2.019, até que se ponha em boa ordem.
Sub censura.
São Paulo, 12 de novembro de 2020.
JOSUÉ MODESTO PASSOS Juiz Assessor da Corregedoria (assinado digitalmente)
DECISÃO
Vistos.
Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, nego provimento ao recurso administrativo interposto por Bracuhy Agricultura e Energia Ltda. Determino, outrossim, o bloqueio da matrícula nº 2.019, do Ofício de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Bananal, até que se regularize. Cumprirá ao MM. Juízo Corregedor Permanente fazer passar o mandado de averbação e levantar o bloqueio se e quando essa matrícula estiver regularizada.
São Paulo, 16 de novembro de 2020.
RICARDO ANAFE Corregedor Geral da Justiça
Comments