A sucessão causa mortis é motivo para transmissão automática do patrimônio do autor da herança aos seus herdeiros. Por isso se diz que o registro do inventário e partilha é de conteúdo preponderantemente declaratório, tendo em vista o direito de saisine. Todavia, a efetivação da transmutação dominial depende necessariamente do inventário e partilha para se aperfeiçoar formalmente. E tal exigência se torna ainda mais latente quando se fala em registro imobiliário, pois, apesar do seu conteúdo declaratório, o registro do formal de partilha é etapa obrigatória na inscrição tabular para que haja disponibilidade do imóvel, assim como a verdade real espelhe a verdade formal da matrícula.
A transmissão causa mortis, pela própria natureza de transmissão ope legis, ou automática em decorrência da lei, já superou muitos conflitos a respeito dos entraves que podem levar a uma negativa de registro numa situação de transmissão voluntária. Por exemplo, havendo descrição imobiliária imprecisa, mas certa, se defere o registro sem muita polêmica - o que também ocorre, até mesmo, na compra e venda em que se consegue determinar o imóvel.
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É o que se vê:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 0015003-54.2011.8.26.0278
ACÓRDÃO
Registro de imóveis – Dúvida – Pretensão de registro de escritura de compra e venda – Descrição precária do imóvel – Identidade, no entanto, entre o título e a transcrição anterior – Possibilidade de abertura de matrícula e registro do título – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Recurso provido.
Conquanto seja louvável a preocupação do Oficial do Registro de Imóveis e da Juíza Corregedora Permanente, no sentido de evitar a quebra da especialidade objetiva e a possibilidade de sobreposição de áreas, por conta da descrição precária do imóvel, o fato é que a negativa de registro baseia-se em entendimento pretérito do CSM. A orientação atual é no sentido de que, havendo identidade entre a descrição do título e da matrícula – ou da transcrição -, deve-se possibilitar o registro, sem necessidade, aliás, de bloqueio da matrícula a ser criada.
Como lembra Alyne Yumi Konno (Registro de Imóveis – Teoria e Prática, Memória Jurídica, p. 20/21), tem-se admitido a mitigação da especialidade a fim de não obstar o tráfego de transações envolvendo imóveis, permitindo-se a manutenção de descrições imprecisas, constantes de antigas transcrições, quando da abertura da matrícula, desde que haja elementos mínimos para se determinar a situação do imóvel, e que ele seja transmitido ou onerado por inteiro, ou seja, desde que a nova matriz a ser aberta o abranja por inteiro.
Nos autos do processo CG n° 1241/96, o então Juiz Auxiliar da Corregedoria Francisco Eduardo Loureiro, hoje Desembargador, aprofundou o exame da mitigação da especialidade:
Não se nega, portanto, a possibilidade de ser descerrada matrícula com exata coincidência com o registro anterior, em que pese a ausência de medidas perimetrais e da área de superfície. O que não se admite é a criação de nova unidade imobiliária contendo descrição perfeita, por fusão de matrículas, quando um dos imóveis unificandos não dispõe de todas as medidas tabulares. Em termos diversos, imóvel com figura imprecisa não pode gerar, por fusão ou desmembramento, nova unidade com figura e descrição precisas.
…Logo, quando do descerramento de matrícula que abranja a totalidade do imóvel, vale a descrição contida no registro anterior, ainda que imperfeita, desde que suficiente para a identificação do prédio.
Esse entendimento tem sido prestigiado e até ampliado pelo CSM e pela Corregedoria Geral da Justiça, podendo-se citar a Apelação Cível n° 9000002-16.2011.8.26.0296, em que o CSM admitiu o registro mesmo no caso em que a descrição deficiente constava da matrícula e não de transcrição. O que importa é que a descrição do título, ainda que precária, coincida com a do registro de imóveis.
Observo, por fim, que não convém determinar o bloqueio. A abertura da matrícula e a lavratura do registro stricto sensu somente estão sendo deferidas por este Conselho. Esses dois atos registrários são válidos e eficazes. Logo, sobre eles não existe nulidade de pleno direito (LRP/1973, art. 214, caput) que justifique impedir novas inscrições, para que não haja danos de difícil reparação (art. 214, § 2º). Isto exclui o cabimento do bloqueio. Portanto, competirá ao ofício de registro de imóveis (e, sendo o caso, à corregedoria permanente) verificar no futuro, caso a caso, o cabimento de novos registros e averbações, à medida que esses atos vierem a ser rogados.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Conselho Superior da Magistratura
Apelação Cível n° 0015003-54.2011.8.26.0278
Apelante: Yoshiharu Takahashi
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, de Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica, e Civil das Pessoas Naturais e Interdição e Tutela de Itaquaquecetuba
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Ocorre que a questão se agrava quando há transcrições antigas e imprecisas que exigem atualização e conformação com a Lei de Registros Públicos. Por isso, algumas situações podem impedir a inscrição formal de algo já transmitido - como na própria partilha do inventário e isso pode gerar alguma confusão ao operador do direito notarial.
São elas:
- Exigência de georreferenciamento;
- Divergência entre o título e a transcrição;
A decisão a seguir colacionada ilustra bem a diferença entre algumas das possíveis hipóteses de manifestação da situação jurídica imobiliária:
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1000032-10.2020.8.26.0059
Registro: 2021.0000815165
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000032-10.2020.8.26.0059, da Comarca de Bananal, em que é apelante MARIA CLÁUDIA TEIXEIRA FERRAZ, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DA COMARCA DE BANANAL.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram parcial provimento à apelação, para deferir o registro stricto sensu rogado para a matrícula nº 839, v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).
São Paulo, 17 de setembro de 2021.
RICARDO ANAFE
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível nº 1000032-10.2020.8.26.0059
Apelante: Maria Cláudia Teixeira Ferraz
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Bananal
VOTO Nº 31.560
Registro de Imóveis – Dúvida – Sucessão causa mortis – Título notarial – Escritura pública de inventário e partilha – Óbices relativos à especialidade objetiva de dois imóveis distintos – Imóvel que sofreu pequeno desfalque, sem que, entretanto, se tenha feito impossível a verificação de disponibilidade quantitativa e qualitativa – Inexistência de inovação na descrição do imóvel desfalcado – Prédio tratado como corpo certo, o que permite o registro da partilha – Outro imóvel que, entretanto, tem área superior a cem hectares e tem de receber descrição por coordenadas georreferenciadas – Exigência de georreferenciamento que também se aplica às transmissões a causa de morte – Precedente – Exigência mantida quanto a esse segundo imóvel – Apelação a que se dá parcial provimento.
1. Trata-se de apelação (fl. 83/108) interposta por Maria Claudia Teixeira Ferraz contra a r. sentença (fl. 78/79) proferida pelo MM. Juízo Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Bananal, que julgou procedente a dúvida (fl. 01/06) e manteve a recusa (fl. 22/24 nota nº 205/2019) de registros stricto sensu de partilha causa mortis (fl. 25/31) nas matrículas nºs 839 e 2.504 daquele cartório (fl. 15/17 e 18/21).
Está dito nas razões de dúvida (fl. 01/06) que foi apresentada a protocolo uma escritura pública de inventário e partilha que tem por objeto os imóveis das mencionadas matrículas nºs 839 e 2.504.
Examinado esse título, formularam-se duas exigências de retificação administrativa desses registros, pois, de um lado, o prédio da matrícula nº 839 sofreu desmembramento, e é necessário apurar o remanescente; e, de outro lado, o imóvel objeto da matrícula nº 2.504 conta mais de cem hectares e, dessa forma, demanda descrição por georreferenciamento.
Segundo a r. sentença (fl. 78/79), não é possível deferir os registros rogados, porque, como exigiu o cartório, em ambas as matrículas atingidas é necessário proceder à retificação. No caso da matrícula nº 839, a área foi desfalcada, e é preciso apurar o remanescente.
Quanto à matrícula nº 2.504, deve ser inserida a descrição por georreferenciamento (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 176, § 4º; Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, art. 10, V), por meio de processo de retificação (Lei nº 6.015/1973, art. 213, II), já que a descrição hoje existente é precária demais, por lhe faltarem as linhas perimetrais.
Em seu recurso (fl. 83/108), alega a apelante que os direitos de propriedade em questão não foram transmitidos onerosa e voluntariamente, mas de modo gratuito e a causa de morte, e estão descritos na escritura pública de inventário e partilha tais como informava o registro de imóveis. As inscrições pretendidas em verdade só servem para declarar a transmissão já ocorrida, segundo a regra da saisina (Cód. Civil, art. 1.784), e, como revela a doutrina e os julgados colacionados, não se devem interpretar literalmente as normas aplicáveis ao georreferenciamento, como se também abrangessem as transferências causa mortis, o que não fazem. Ademais, não há nenhuma violação aos princípios da especialidade objetiva e da continuidade. Por conseguinte, os registros têm de ser deferidos, como foram rogados, depois de afastadas as exigências opostas pelo Ofício de Registro de Imóveis.
A douta Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fl. 157/158).
É o relatório.
2. A r. sentença tem de ser reformada em parte.
Não há óbice para o registro stricto sensu da partilha no que diz respeito ao imóvel da matrícula nº 839.
Como se verifica a fl. 15/17, esse prédio rústico efetivamente sofreu um desfalque, pois da área original, calculada em 80.366 m² (fl. 15), veio a ser subtraída, segundo a Av. 2 (fl. 15), a fração de 131,25 m². A despeito das imprecisões da descrição original e, depois, da parte destacada, fato é que o desmembramento havido, sendo pequeno e único, ainda permite concluir que subsiste disponibilidade quantitativa e qualitativa na matrícula, ou seja, que realmente houve transmissão de uma gleba, como documentado na escritura pública de inventário e partilha (fl. 28).
Portanto, incide a regra das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Tomo II, Capítulo XX, item 10.1.1, verbis:
“A descrição precária do imóvel rural, desde que identificável como corpo certo e localizável, não impede o registro de sua alienação ou oneração, salvo quando sujeito ao georreferenciamento ou, ainda, quando a transmissão
implique atos de parcelamento ou unificação, hipóteses em que será exigida sua prévia retificação.” (grifou-se)
Note-se: não se contesta que, considerado o atual estado da técnica e as exigências atuais da doutrina jurídica e do tráfego imobiliário, a descrição do imóvel tem de ser melhorada. Ainda como está, entretanto, fato é que a matrícula traz alguma indicação de área e de confrontações e, pois, pode receber o ato registral de transmissão causamortis. A bem ver, a solução contrária (= o indeferimento da inscrição, nessas circunstâncias específicas) não só negaria eficácia à matrícula (que é válida e produz efeitos até que se desfaça, nos termos da Lei nº 6.015/1973, art. 252), como ainda facilitaria a clandestinidade e dificultaria, ainda mais, o seu aperfeiçoamento (neste caso, por negar que os herdeiros obtenham a disponibilidade de seu direito). Logo, deve-se afastar a exigência e proceder ao pretendido registro stricto sensu de partilha, relativo ao imóvel da matrícula nº 839, como rogado.
Cabe salientar que a descrição do imóvel, tal como consta da matrícula (e, agora, do ato notarial), não foi em nada inovada, o que poderá ser feito no futuro, mediante apuração de remanescente, sem prejuízo atual para a segurança jurídica.
Não pode ser deferida, contudo, a inscrição pedida para a matrícula nº 2.504.
Não se nega e as razões recursais bem o demonstram – a possibilidade de discutir se as disposições dos §§ 4º, 5º e 13 do art. 176 e
§ 3º do art. 225 da Lei nº 6.015/1973 abrangem apenas os atos voluntários inter vivos que impliquem desmembramento, parcelamento, unificação ou transmissão total, ou também os atos coativos (e. g., os advindos da execução forçada) e os atos causa mortis: boas razões militam num e noutro sentido, dentre elas a facilitação do tráfego e da publicidade (em se tratando de transmissões oriundas do direito das sucessões) e a eficiência dos processos judiciais (em se tratando de constrições).
No entanto, este Conselho Superior da Magistratura já atribuiu, aos dispositivos citados e aqueles que os regulamentam, interpretação segundo a qual a inscrição da partilha causa mortis também impõe a inserção de coordenadas georreferenciadas, uma vez que se tenha escoado o prazo previsto no art. 10 do Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002 – como sucede na hipótese, em que o prédio da matrícula nº 2.504 supera a área de cem hectares (fl. 18).
Confira-se:
“Registro de Imóveis - Dúvida - Negativa de registro de escritura pública de inventário e partilha - Imóvel Rural com Área superior a 100 hectares - Exigência de Georreferenciamento - Princípio da especialidade objetiva Óbice mantido - Apelação a que se nega provimento.” (CSM, Apelação Cível n. 1000075-91.2020.8.26.0302, j. 20.11.2020, DJe 08.3.2021).
Consta do voto de vencedor:
“A partir de referidas disposições legais e normativas inferese, pois, a necessidade de georreferenciamento dos imóveis rurais em qualquer situação de transferência, inclusive na hipótese telada de transmissão causa mortis.
Objetiva-se, como já dito, a individualização do bem imóvel rural de modo a destacá-lo de qualquer outro, evitando-se, assim, a sobreposição, não havendo qualquer ressalva acerca da transmissão em razão da morte.
Ao revés, a necessidade de identificação do imóvel rural apresenta-se, sem distinção, em qualquer situação de transmissão, seja voluntária ou não, até mesmo em casos de decisões judiciais e nas hipóteses de forma originária de transmissão da propriedade.
[...]
Nesta ordem de ideias, uma vez necessário o georreferenciamento de imóveis rurais nas hipóteses de inventário judicial, não se vislumbra razão para qualquer distinção e dispensa de identificação por georreferenciamento nos inventários extrajudiciais.
[...]
Não se olvida, ainda, que, consoante o Princípio da Saisine, a transmissão ocorre no momento da morte, conforme preceitua o Art. 1.784 do Código Civil: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.”
[...]
A transmissão da propriedade dá-se, pois, no momento da abertura da sucessão e a partilha tem o efeito de encerrar o estado de indivisão, atribuindo a cada herdeiro a parte que lhe tocar.
Contudo, o registro da escritura pública de inventário e partilha no Oficial de Registro de Imóveis é requisito para o ingresso de títulos de disposição da propriedade pelos herdeiros, em observância ao princípio da continuidade registral, sujeitando-se ao cumprimento das exigências legais e normativas, o que, contudo, não ocorreu no presente caso.”
Finalmente, e em conclusão, saliente-se que a hipótese destes autos ou seja, a discussão, no mesmo processo da dúvida, de dois registros autônomos, cada qual numa matrícula distinta é o único caso em que se pode falar em provimento parcial do recurso: a apelação, como dito de início, tem de ser provida em parte quanto a uma inscrição apenas (matrícula nº 839), mantendo-se o óbice levantado à outra (matrícula nº 2.504).
3. À vista do exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento à apelação, para deferir o registro stricto sensu rogado para a matrícula nº 839.
RICARDO ANAFE
Corregedor Geral da Justiça e Relator
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A última decisão colacionada no artigo é referente à divergência entre a descrição do título e do registro imobiliário.
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CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Pretensão de registro de formal de partilha – Descrição precária do imóvel na transcrição de origem – Necessidade de retificação – Incongruência entre a descrição do título e o assento imobiliário – Quebra do princípio da especialidade objetiva – Recurso desprovido.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0010422-67.2013.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que são apelantes MOMOKO NISHIOKA e MAURÍCIO COELHO DE MELLO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE MOGI DAS CRUZES.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO,V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE. São Paulo, 16 de outubro de 2014. HAMILTON ELLIOT AKEL CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR VOTO N° 34.097
Registro de imóveis – Dúvida – Pretensão de registro de formal de partilha – Descrição precária do imóvel na transcrição de origem – Necessidade de retificação – Incongruência entre a descrição do título e o assento imobiliário – Quebra do princípio da especialidade objetiva – Recurso desprovido.
Momoko Nishioka e Maurício Coelho de Mello interpuseram recurso administrativo contra a r. sentença que manteve a recusa de registro de formal de partilha, que atribuía, à primeira – casada com o segundo – os direitos contratuais, com eficácia real, referentes a dois lotes de terreno sob os números 315 e 316, da quadra 12, do loteamento Jardim Universo, inscritos no 1º Oficial do Registro de Imóveis de Mogi das Cruzes, sob n° 53, Livro 8-C, averbação 117.
A recusa baseou-se no fato de que a descrição dos dois lotes, tal como feita no formal de partilha, não se coaduna com a certidão oriunda do 1º Oficial do Registro de Imóveis. Além disso, por se tratar de loteamento bastante antigo – 1952 -, não há memorial descritivo dos lotes, mas apenas planta do parcelamento. Dessa maneira, não é possível aferir as medidas laterais e dos fundos, nem a angulação dos vértices, o que demanda retificação. Os apelantes afirmam que o título foi regularmente expedido, de acordo com as prescrições legais à época em que feita a partilha. Dizem que possuem direito adquirido ao registro do título e lembram que, após suscitada a dúvida, juntaram outras certidões, relativas ao imóvel.
É o relatório. O registro do formal de partilha, tal como pretendido, feriria os princípios da legalidade e da especialidade objetiva. Quanto ao primeiro princípio, o da legalidade, ele seria ferido caso se adotasse o entendimento de ser possível o registro desconsiderando-se as prescrições legais atuais. Vale dizer, haveria ferimento se aceita a tese de direito adquirido, defendida pelos recorrentes.
No sistema dos registros públicos vige o princípio tempus regit actum, segundo o qual, na qualificação do título, incidem asexigências contemporâneas ao registro, e não as que vigoravam quando desua lavratura. Pouco importa, assim, que o formal de partilha fosse regularao tempo em que expedido. Para ser registrado, precisaria se adequar à legislação em vigor no momento do registro. No que respeita ao principio da especialidade objetiva, ele apenas seria respeitado se o título descrevesse o imóvel tal como no assento e, também, se esse assento contivesse perfeita individualização do bem. Para Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade do imóvel significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro (Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei 6015/73, 2a ed., Rio de Janeiro, 1977, p. 219). Por isso, o imóvel deve estar perfeitamente descrito no título objeto de registro de modo a permitir sua exata localização e individualização, não se confundindo com nenhum outro.
Narciso Orlandi Neto, ao citar Jorge de Seabra Magalhães, lembra que “as regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior. É preciso que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro” (Narciso Orlandi Neto, Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 68).
É certo que caberia mitigação no princípio da especialidade, caso o título – formal de partilha – espelhasse a antiga transcrição. Mas nem isso ocorre no caso. Enquanto a certidão oriunda do 1º Registro de Imóveis menciona dois lotes de terreno, o formal de partilha, ao tratar de deles, discrimina-os como um só imóvel, não obstante a ausência de qualquer procedimento de unificação. E, mais, como ressalta o Oficial, traz medidas laterais inéditas, que não constam do assento.
A situação não melhora com os documentos trazidos no curso do processo, que, de mais a mais, não integram o título e, portanto, não podem ser admitidos.
Por meu voto, à vista do exposto, nega-se provimento ao recurso. HAMILTON ELLIOT AKEL CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR (D.J.E. de 03.12.2014 – SP)
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