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Fraude à execução em usucapião extrajudicial por meio de cessão de posse

Pode o registrador obstar a usucapião extrajudicial por entender que há indícios de fraude à execução na cessão de posse?


A decisão da 1VRSP trata exatamente sobre o assunto e nos traz uma visão bastante progressista desse conflito que envolve o deferimento da usucapião extrajudicial em que houve cessão de posse em uma potencial fraude à execução.


Bons estudos!


 

Usucapião extrajudicial. Cessão de direitos - direitos possessórios. Fraude à execução. Exigências.

1VRPSP - Processo: 1076571-20.2022.8.26.0100Localidade: São Paulo Data de Julgamento: 25/08/2022 Data DJ: 29/08/2022 Unidade: 6Relator: Luciana Carone Nucci Eugênio MahuadJurisprudência: Indefinido
Usucapião extrajudicial. Cessão de direitos - direitos possessórios. Fraude à execução. Exigências.
íntegra

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - COMARCA DE SÃO PAULO - FORO CENTRAL CÍVEL - 1a VARA DE REGISTROS PÚBLICOS
Processo Digital no 1076571-20.2022.8.26.0100Classe - Assunto Dúvida - Registro de ImóveisSuscitante: 6o Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital - Sp Suscitado: Durvalina Laranjeira Martinez
Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 6o Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Durvalina Laranjeira Martinez à vista de exigências feitas em procedimento extrajudicial de reconhecimento de usucapião do imóvel situado na avenida Dom Pedro I, n. 631, Vila Monumento, São Paulo (matrícula n.144.990 daquela serventia), com as quais a parte suscitada não concorda.

O Oficial informa que os documentos apresentados demonstram a seguinte cadeia possessória: os proprietários tabulares compromissaram o bem à venda para Anayan Moreto de Morais em 01/06/2004 (R.4/M.144.990), o qual transmitiu tacitamente seus direitos à empresa Tec Colocation Data Center e Prestação de Serviços Ltda ? ME por volta do ano de 2009 e esta última, por sua vez, transferiu a posse para a parte suscitada por instrumento particular datado de 03 de fevereiro de 2020. Por constatar a distribuição de execuções fiscais contra a empresa Tec Colocation, bem como a ausência de publicidade sobre a posse exercida pela pessoa jurídica, a qual foi cedida gratuitamente para a cessionária Durvalina, que é mãe do sócio administrador que assina o instrumento particular em nome da cedente, concluiu que há fortes indícios de fraude à execução por meio de simulação, que é causa de nulidade do negócio jurídico, pelo que exigiu a inclusão da empresa Tec Colocation Data Center e Prestação de Serviços Ltda no polo ativo do procedimento extrajudicial.

A certidão da matrícula do imóvel veio às fls.06/08 e cópia integral do procedimento extrajudicial foi produzida às fls.09/200 A parte suscitada apresentou impugnação às fls.203/205, alegando que a exigência é descabida, uma vez que as Normas de Serviço somente exigem a demonstração da inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel, o que não é o caso dos processos citados pelo Oficial, a quem não cabe interferir nos fatos formalizados à míngua de qualquer contestação, ainda que em nome da segurança jurídica, que será garantida mediante publicação do edital.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, entendendo que a questão deve ser remetida à via judicial, uma vez que o impedimento posto decorre de pressuposto lógico para a salvaguarda do sistema jurídico e dos direitos de eventuais credores (fls.209/210).

É o relatório. Fundamento e decido.No mérito, em que pese a cautela do Oficial registrador, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.

Por primeiro, é importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da usucapião administrativa, que segue rito próprio, com regulação pelo artigo 216-A da Lei n. 6.015/73, pelo Prov. 65/17 do CNJ e pela Seção XII do Cap. XX das NSCGJSP.

Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.

Neste sentido, decidiu o Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n. 1004044-52.2020.8.26.0161, com relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Des. Ricardo Anafe (destaque nosso):

"Usucapião Extrajudicial direito que deve ser declarado por ação judicial ou expediente administrativo nas hipóteses em que os pressupostos legais estejam rigorosamente cumpridos possibilidade de regularização do imóvel de maneira diversa à usucapião que não impede esta última, inclusive por procedimento administrativo recusa indevida quanto ao processamento do pedido dúvida improcedente - Recurso provido com determinação para prosseguimento do procedimento de usucapião Extrajudicial".

A presente dúvida decorre de impugnação da própria parte requerente após exigências formuladas pelo Oficial, as quais não foram reconsideradas (fls. 182, 186/189 e 201/202), com prosseguimento nos termos do §5o, do artigo 17, do Provimento n. 65/2017 do CNJ, e do item 421.4, Cap. XX, das Normas de Serviço da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo:

"Art. 17. Para a elucidação de quaisquer dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado.

(...)
§ 5o A rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP".

"421.4. A rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP e item 39 deste capítulo".

No caso em análise, o que se busca é a regularização do domínio do imóvel situado na avenida Dom Pedro I, n. 631, Vila Monumento, São Paulo.

A parte suscitada pretende o reconhecimento de usucapião extraordinário nos termos do artigo 1.238 do Código Civil, alegando posse por prazo superior a quinze anos quando somada ao tempo exercido por sua antecessora, a empresa Tec Colocation Data Center e Prestação de Serviços Ltda, de quem adquiriu direitos possessórios por instrumento particular de cessão datado de 03 de fevereiro de 2020 (fls.31/35 e 76/78).

O imóvel corresponde ao objeto da matrícula n.144.990 daquela serventia, em que figuram como proprietários tabulares Barbero Lino e sua mulher, Lilia Carlini Barbero. Há notícia, ainda, de que o imóvel foi compromissado em caráter irrevogável e irretratável a Anayan Moreto de Moraes por meio de instrumento particular e aditamento datados de 01/06/2004 e 06/07/2004 (R.4/M.144.990, fls.06/08).

No mérito, em que pese a cautela do Oficial registrador, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.

Por primeiro, é importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da usucapião administrativa, que segue rito próprio, com regulação pelo artigo 216-A da Lei n. 6.015/73, pelo Prov. 65/17 do CNJ e pela Seção XII do Cap. XX das NSCGJSP.

Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.

Neste sentido, decidiu o Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n. 1004044-52.2020.8.26.0161, com relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Des. Ricardo Anafe (destaque nosso):

"Usucapião Extrajudicial direito que deve ser declarado por ação judicial ou expediente administrativo nas hipóteses em que os pressupostos legais estejam rigorosamente cumpridos possibilidade de regularização do imóvel de maneira diversa à usucapião que não impede esta última, inclusive por procedimento administrativo recusa indevida quanto ao processamento do pedido dúvida improcedente - Recurso provido com determinação para prosseguimento do procedimento de usucapião Extrajudicial".

A presente dúvida decorre de impugnação da própria parte requerente após exigências formuladas pelo Oficial, as quais não foram reconsideradas (fls. 182, 186/189 e 201/202), com prosseguimento nos termos do §5o, do artigo 17, do Provimento n. 65/2017 do CNJ, e do item 421.4, Cap. XX, das Normas de Serviço da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo:

"Art. 17. Para a elucidação de quaisquer dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado.

(...)
§ 5o A rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP".

"421.4. A rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP e item 39 deste capítulo".

No caso em análise, o que se busca é a regularização do domínio do imóvel situado na avenida Dom Pedro I, n. 631, Vila Monumento, São Paulo.

A parte suscitada pretende o reconhecimento de usucapião extraordinário nos termos do artigo 1.238 do Código Civil, alegando posse por prazo superior a quinze anos quando somada ao tempo exercido por sua antecessora, a empresa Tec Colocation Data Center e Prestação de Serviços Ltda, de quem adquiriu direitos possessórios por instrumento particular de cessão datado de 03 de fevereiro de 2020 (fls.31/35 e 76/78).

O imóvel corresponde ao objeto da matrícula n.144.990 daquela serventia, em que figuram como proprietários tabulares Barbero Lino e sua mulher, Lilia Carlini Barbero. Há notícia, ainda, de que o imóvel foi compromissado em caráter irrevogável e irretratável a Anayan Moreto de Moraes por meio de instrumento particular e aditamento datados de 01/06/2004 e 06/07/2004 (R.4/M.144.990, fls.06/08).

 

A compromissária Anayan, por sua vez, teria transferido tacitamente a sua posse para a Tec Colocation, em meados de 2009, época em que a empresa se denominava Maha-Tec Prestadora de Serviços Ltda - ME (fl.159).

As certidões dos distribuidores copiadas às fls.145/149 apontaram a existência de algumas ações envolvendo a empresa cedente, dentre as quais alguns cumprimentos de sentença, além de uma execução fiscal municipal e outra federal, mas não se identifica ação possessória que possa interferir na análise do pedido.

Nesse contexto, ainda que o requerimento envolva a soma do tempo de posse exercido pela empresa cedente, que aparenta ser devedora, não é possível impor a alteração do polo ativo visando tutelar a satisfação de eventuais credores.

Também não é possível reconhecer na via administrativa a ocorrência de suposta fraude a credores, o que somente pode ser apurado na via judicial, mediante provocação de parte interessada, para que se reconheça e declare a invalidade de negócio jurídico (hipótese de anulabilidade conforme previsto no artigo 158 do Código Civil).

É certo que a falta de publicidade acerca da aquisição da posse pela empresa impossibilita o amplo conhecimento e a adoção de providências por eventuais credores.
Contudo, é por meio do edital que se dá ciência a terceiros indeterminados que possam ser atingido pela decisão final:

418.21. Após as notificações dos titulares do domínio do imóvel usucapiendo e dos confrontantes, o oficial de registro de imóveis expedirá edital, que será publicado pelo requerente e às expensas dele, na forma do art. 257, III, do CPC, para ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão manifestar-se nos quinze dias subsequentes ao da publicação...".

Também as Fazendas Públicas serão cientificadas na forma do item 418.20 das NSCGJ e terão oportunidade para conhecer os fatos apontados pelo Oficial e postular eventuais medidas que entendam cabíveis.

Observe-se que até o presente momento não se identifica a existência de lide relativa à posse alegada, de modo que, somente mediante impugnação, a via judicial se tornará necessária e caberá à parte requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum nos termos do §10, do artigo 216-A, da Lei n. 6.015/73.

Observe-se, ainda, que, inexistindo impugnação, sequer na via judicial eventual fraude poderá ser reconhecida de ofício, uma vez que a jurisdição depende de provocação e deve se restringir aos limites objetivos do pedido em respeito ao princípio da adstrição ou congruência.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada para determinar o prosseguimento do procedimento extrajudicial.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

P.R.I.C.São Paulo, 25 de agosto de 2022.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad Juiz de Direito

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