Transcreveremos o voto do relator na ADI 1183 que definiu alguns prazos e critérios para a interinidade em cartório vagos.
Voto na ADI 1183:
O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: Em primeiro lugar, cumpre corrigir erro material contido no dispositivo da decisão, que foi assim redigido:
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário, na conformidade da ata de julgamentos, por maioria de votos, em não conhecer da ação direta e julgou parcialmente procedente o pedido formulado [...].
Conforme se depreende da certidão de julgamento, a ação foi conhecida e o pedido nela formulado julgado parcialmente procedente:
Decisão:
O Tribunal, por maioria, conheceu da ação direta e julgou parcialmente procedente o pedido formulado, apenas para declarar inconstitucional a interpretação que extraia do art. 20 da Lei no 8.935 /94 a possibilidade de que prepostos (não concursados), indicados pelo titular ou mesmo pelos tribunais de justiça, possam exercer substituições ininterruptas por períodos maiores de que 6 (seis) meses. Declarou, ainda, que, para essas longas substituições (maiores que 6 meses), a solução constitucionalmente válida é a indicação, como “substituto”, de outro notário ou registrador, observadas as leis locais de organização do serviço notarial e registral, ressalvada a possibilidade de os tribunais de justiça indicarem substitutos ad hoc, quando não houver interessados, entre os titulares concursados, que aceitem a substituição, sem prejuízo da imediata abertura de concurso público para preenchimento da(s) vaga(s).
Por fim, reconheceu a plena constitucionalidade dos arts. 39, II, e 48 da Lei no 8.935/94. Tudo nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que julgava procedente, em parte, o pedido, para conferir interpretação conforme à Constituição Federal ao artigo 20, cabeça e parágrafos 1o a 4o, da Lei no 8.935/1994, a fim de assentar a substituição eventual, por preposto indicado pelo titular, do notário ou registrador. Plenário, Sessão Virtual de 28.5.2021 a 7.6.2021.
No ponto, é caso de dar provimento aos embargos para retificar a parte dispositiva do pronunciamento colegiado, de modo que nela conste: “Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual, na conformidade da ata de julgamentos, por maioria de votos, em conhecer da ação direta e julgar parcialmente procedente o pedido nela formulado...”.
No que se refere ao art. 20 da Lei n. 8.935/1994, vale, de início, transcrever o dispositivo: Art. 20. Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho.
§ 1o Em cada serviço notarial ou de registro haverá tantos substitutos, escreventes e auxiliares quantos forem necessários, a critério de cada notário ou oficial de registro. § 2o Os notários e os oficiais de registro encaminharão ao juízo competente os nomes dos substitutos. § 3o Os escreventes poderão praticar somente os atos que o notário ou o oficial de registro autorizar. § 4o Os substitutos poderão, simultaneamente com o notário ou o oficial de registro, praticar todos os atos que lhe sejam próprios exceto, nos tabelionatos de notas, lavrar testamentos.
§ 5o Dentre os substitutos, um deles será designado pelo notário ou oficial de registro para responder pelo respectivo serviço nas ausências e nos impedimentos do titular. Registre-se que o entendimento do Tribunal, no julgamento embargado, foi no sentido de a regra fundamental do prévio concurso público para ingresso na carreira notarial e registral não poder ser molestada por regulamentações inferiores.
Nada obstante, o acórdão embargado reconheceu a necessidade, em situações de ausência ocasional do titular, de haver encarregado para responder pelo expediente, ainda que agindo em nome e por conta daquele. Apenas assim se pode garantir a continuidade do serviço , outro princípio imanente da atividade notarial e registral.
Assim, conjugando as próprias regras da Constituição, a decisão embargada considerou estarem essas ausências ocasionais restritas ao prazo de seis meses. Logo, em havendo concursado disponível para assumir a tarefa, não seria razoável período maior que esse de exercício da função por agente não concursado.
Um esclarecimento precisa ser feito: o titular concursado pode, eventualmente (por motivo de saúde, por exemplo), ficar afastado por mais de seis meses sem, com isso, perder a titularidade. Nesse caso, mantém o direito de indicar substituto, em razão mesmo do vínculo de titularidade que ainda detém. Já o substituto, nessas condições, pode continuar a exercer suas atribuições normalmente pelo prazo do afastamento do titular, mas sempre em nome e por conta deste.
Portanto, o agente não concursado ficará limitado a exercer a titularidade da serventia por, no máximo, seis meses apenas em caso de vacância, isto é, somente na hipótese de ele se encontrar na interinidade do cartório, porque nesse caso age em nome próprio e por conta própria, sem se reportar a um titular. O estabelecimento desse prazo encontra amparo no art. 236, § 3o, da Carta Federal: Art. 236. [...]
[...]
§ 3o O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
Ora, se o substituto age por conta e em nome do titular, não há prazo certo para o exercício dessa atribuição. Cabe, pois, ao Tribunal de Justiça respectivo avaliar se há, em cada caso concreto, abuso na utilização da mão de obra do preposto. Entretanto, na falta de titular na serventia, a interinidade do não concursado deve ser evitada ou restringida ao prazo de seis meses, preferindo-se, sempre, substitutos concursados com a titularidade de outras serventias , salvo quando não houver interessados, situação que o Tribunal de Justiça resolverá.
O fato de um titular exercer precariamente a titularidade de outro cartório não tem qualquer relação com a regra que veda as chamadas sucursais (Lei n. 8.935/1994, art. 43), pois só há sucursal, filial ou agência na hipótese de um estabelecimento ser subordinado a determinada matriz. Ou seja, não existe subordinação entre serventias pelo simples fato de a titularidade delas ser exercida eventualmente pela mesma pessoa. Tanto mais porque o âmbito territorial de cada uma é diverso e as obrigações administrativas, civis, tributárias, registrais e notariais são completamente separadas.
De resto, chama a atenção que o embargante agora faça tal alegação, mesmo havendo pedido inicialmente que fossem indicados concursados para as substituições.
O titular que responde por outra serventia o faz em caráter precário e apenas enquanto não provido o lugar vago. Não se trata de extensão das atribuições de sua titularidade originária. O contexto assemelha-se, mutatis mutandis, ao de um juiz titular que responde eventualmente por outro juízo vago. Isso não cria nenhum laço de subordinação entre os órgãos jurisdicionais; apenas atende à necessidade do serviço, até que a titularidade do cargo vago seja provida. Para continuar na analogia, esdrúxulo seria deixar a vara ocupada por alguém que não é juiz, como o chefe de secretaria indicado pelo antigo magistrado. O mesmo vale para os cartórios: como deixar um substituto não concursado na interinidade por longos períodos em que pese haver titulares concursados?
A indicação de um titular concursado tem por objetivo garantir a continuidade do serviço e evitar sua precarização, o que ocorreria se fosse exercido por pessoa não concursada e, portanto, presumivelmente não preparada para a atribuição.
Entendo que essa interpretação conforme, a qual traz aspectos novos à disciplina do tema, precisa ser aplicada ex nunc , pois, de fato, o largo tempo transcorrido desde o ajuizamento desta ação direta – 21 de dezembro de 1994 – deu margem à consolidação de situações jurídicas. Assim, foram muitos os atos praticados antes deste julgamento cuja anulação poderia induzir prejuízos maiores do que os ganhos de eventual aplicação retroativa. Há que homenagear o postulado constitucional da segurança jurídica, medula do Estado Democrático de Direito, voltado que é a garantir a estabilidade da ordem jurídica e a preservação do ato jurídico perfeito (art. 5o, XXXVI).
Assim, tenho que os embargos devem ser parcialmente providos quanto à interpretação a ser conferida ao art. 20 da Lei n. 8.935/1994, para esclarecer- se que: a) o substituto não concursado ficará limitado a exercer a titularidade da serventia pelo prazo de seis meses apenas na hipótese de vacância , isto é, quando interino no cartório, porque nesse caso age em nome próprio e por conta própria conquanto não tenha obtido investidura adequada para tanto, conforme determina a Constituição Federal; b) essa interpretação deve ser aplicada a partir da publicação da ata de julgamento referente a estes aclaratórios, preservada a validade dos atos anteriormente praticados.
Quanto à questão da aplicação do teto remuneratório ao interino (aquele que responde pela titularidade de uma serventia enquanto ela está sem titular), embora essa questão rigorosamente não tenha sido objeto desta ação direta – e, portanto, o tema não tenha sido tratado no acórdão –, é certo que se cuida de matéria relevante para o julgamento, haja vista as amplas implicações que têm as decisões do Supremo em matéria de controle concentrado de constitucionalidade.
Nessa linha de ideias, reputo que o interino – mesmo o concursado titular de outra serventia – deve submeter-se ao teto constitucional da remuneração do serviço público , isto é, ao limite estipulado no art. 37, XI, da Carta da República, para os servidores públicos estaduais do Poder Judiciário, a saber: o subsídio dos desembargadores do Tribunal de Justiça , limitado a 90 inteiros e 25 centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Sabe-se que a interinidade, por sua natureza precária, não implica para o exercente direitos que são próprios da titularidade. Assim, enquanto o titular da serventia exerce função privada por delegação do poder público e, nessa condição, assume integralmente e sem prazo os riscos e proveitos da atividade, o interino apontado pelo Tribunal de Justiça, mesmo que tenha prestado concurso para a carreira, não tem a devida investidura definitiva para aquela serventia vaga, em específico. Atua, assim, como agente ad hoc , daí por que não pode usufruir de todas as prerrogativas financeiras próprias de um titular.
A matéria, vale dizer, já foi objeto de apreciação pelo Supremo. Ao julgar o RE 808.202, ministro Dias Toffoli, DJe de 25 de novembro de 2020, Tema n. 779/RG, o Tribunal assentou a seguinte tese: “ Os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3o, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República .”
No tocante à irresignação contra o art. 48, o constituinte de 1988, conforme reiteradamente assentado por esta Corte, estipulou regramentos distintos de serventias judiciais e extrajudiciais.
Previu, no art. 31 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a estatização das serventias do foro judicial, respeitados os direitos dos titulares, e prescreveu a oficialização dos cartórios judiciais, cujos servidores devem ser integrantes dos quadros do Poder Judiciário submetidos às normas de organização judiciária de cada unidade da Federação.
Quanto às serventias extrajudiciais, algumas foram oficializadas pelos Estados-Membros antes da vigência da Constituição Federal. Os que trabalhavam nesses cartórios eram funcionários públicos estatutários.
Na nova ordem constitucional, de acordo com o preceituado no art. 236, os serviços notariais e de registro seriam exercidos em caráter privado, sobrevindo a necessidade de transição ao regime privado daqueles oficializados. Essa foi a intenção do art. 32 do ADCT ao afastar da incidência do art. 236 os serviços notariais e de registro oficializados pelo poder público e, ao mesmo tempo, preservar o direito de seus servidores. Eis a redação do dispositivo:
Art. 32. O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores. Consoante expressamente consignado no acórdão recorrido, remanesceram, sob a égide da Constituição de 1988, dois regimes jurídicos aplicáveis às serventias extrajudiciais: um a abranger os cartórios oficializados, os quais permaneceram funcionando como autênticas repartições públicas, com cargos e funções disciplinadas em leis locais e atos administrativos dos tribunais; e outro a abarcar os privatizados, que passaram a ser disciplinados pela Lei n. 8.935/1994, como norma geral, e pelas leis locais, em suplementação.
Levando em conta o mandamento constitucional (ADCT, art. 32) e o postulado da estabilidade dos servidores públicos, o art. 48 da Lei n. 8.935 /1994 reconhece essa diversidade de regimes e prevê a possibilidade de opção pelo modelo celetista aos funcionários estatutários de cartórios privatizados – mediante exoneração do cargo público. Ora, é evidente, portanto, que só poderão contratar segundo a legislação trabalhista os notários e oficiais de registro de cartórios privados.
Entendo, dessa forma, que tal dispositivo não descumpre o ditame constitucional. De fato, sua dicção estabelece regime de transição em estrita observância às balizas da Lei Maior:
por um lado, preserva o direito dos servidores públicos que optem por continuar ocupando o cargo público após a privatização do cartório, regidos pelo estatuto respectivo e pelas normas administrativas dos tribunais de justiça; por outro, assegura o direito de opção pelo regime celetista aos ocupantes de cargo preservado em cartório privado.
De modo geral, ao contrário do que argumenta o Partido embargante, o cartório privatizado passa a observar o regime celetista não com a vigência da Lei n. 8.935/1994, mas tão logo deixe de ser oficializado, afastando-se a ressalva do art. 32 do ADCT.
Nesse ponto, a decisão recorrida é expressa quanto ao regime jurídico: os servidores que escolherem permanecer ocupando o cargo público serão regidos, primariamente, pelo estatuto próprio, mas estarão sujeitos também às normas administrativas do órgão a que se vinculam, tal como qualquer servidor público – nesse caso, os tribunais de justiça. Não há, por conseguinte, risco de invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho (CF, art. 22, I), visto que se trata de normas administrativas às quais se vinculam os servidores públicos.
Eventual aplicação abusiva do dispositivo, como já consignado no acórdão embargado, deve resolver-se no campo das ações ordinárias e pelos meios próprios de controle da Administração Pública e da fiscalização do trabalho, não em controle concentrado de constitucionalidade. Ante o exposto, conheço dos embargos e os provejo em parte, para:
(i) retificar trecho da parte dispositiva do acórdão, de modo a constar o seguinte texto: “Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual, na conformidade da ata de julgamentos, por maioria de votos, em conhecer da ação direta e julgar parcialmente procedente o pedido nela formulado”, confirmando-se o restante da redação, com os esclarecimentos a seguir;
(ii) esclarecer que o substituto não concursado ficará limitado a exercer a titularidade da serventia pelo prazo de seis meses apenas na hipótese de vacância , isto é, quando ele estiver na interinidade do cartório, porque nesse caso age em nome próprio e por conta própria; (iii) declarar que a interpretação conforme ao art. 20 da Lei n. 8.935/1994, consignada no acórdão embargado e ora esclarecida, somente se aplica a partir da conclusão deste julgamento, preservada a validade dos atos anteriormente praticados.
Quanto às demais alegações veiculadas na petição de embargos, rejeito- as.
Fica a parte dispositiva do meu voto com a seguinte redação final, já incorporados todos os esclarecimentos e integrações: “Ante o exposto, conheço da ação direta e julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados, apenas para declarar inconstitucional a interpretação que extraia do art. 20 da Lei n. 8.935/1994 a possibilidade de prepostos não concursados, indicados pelo titular ou mesmo pelos tribunais de justiça, exercerem substituições ininterruptas por períodos maiores que seis meses, em caso de vacância da serventia. Declaro, ainda, que, para essas substituições (a ultrapassarem os seis meses decorrentes de vacância da serventia), a solução constitucionalmente válida é a indicação, como ‘substituto’, de outro notário ou registrador, observadas as leis locais de organização do serviço notarial e registral, ressalvada a possibilidade de os tribunais de justiça indicarem substitutos ad hoc , quando não houver, entre os titulares concursados, interessado que aceite a substituição, sem prejuízo da imediata abertura de concurso público para preenchimento da(s) vaga (s), e respeitado, em qualquer caso, na remuneração do interino, o teto constitucional (CF, art. 37, XI).
Proponho a modulação da eficácia da decisão (Lei n. 9.868/1999, art. 27) para que produza efeitos, no tocante ao art. 20 da Lei n. 8.935/19994, apenas a contar da data da conclusão deste julgamento, de forma que a determinação de progressiva troca, por outros titulares de serventia extrajudicial, dos substitutos de titulares de cartório extrajudicial então em exercício que não forem notários ou registradores (CF, arts. 37, II, e 236, § 3o) se aplique a partir de seis meses, contados da conclusão deste julgamento (proclamado o resultado pelo Presidente, na sessão de julgamento presencial, ou alcançado o prazo para votar, na hipótese de julgamento virtual), ressalvada, em qualquer caso, a validade dos atos praticados por aqueles que tiverem sido nomeados pelo Tribunal de Justiça segundo as regras e interpretações então vigentes.
Por fim, reconheço a plena constitucionalidade dos arts. 39, II, e 48 da Lei n. 8.935 /1994.” É como voto. Plenário Virtual - minuta
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